Psicologia evolucionista para principiantes – Jerry Coyne

“Psicologia evolucionista para principiantes

Jerry Coyne

21 de março de 2023 • 13h15

https://whyevolutionistrue.com/2023/03/21/evolutionary-psychology-for-the-tyro/

Estou apresentando este post como um serviço público para aqueles que, espreitando certos cantos escuros e inscientes da Internet, ouviram incessantes insultos contra a psicologia evolucionista. Esses são os lugares tóxicos onde você ouve coisas como esta: “As premissas fundamentais da psicologia evolucionistas são falsas”. Junto com esse tipo de coisa, vem um mantra nascido da ignorância: “A psicologia evolucionistas simplesmente inventa explicações adaptativas post facto para todos os comportamentos humanos. É apenas um jogo.” Então, eles vão mencionar algo como meninas se vestem de rosa porque em nossos ambientes ancestrais, as mulheres colhiam frutas vermelhas.

Pessoas assim não acompanharam a psicologia evolucionista, que está atingindo a maturidade como disciplina. Claro, já houve uma psicologia evolucionista ruim e uma confiança muito fácil em just-so stories. Mas todos os aspectos da evolução foram tomados pelo adaptacionismo.

Mas, agora, Laith Al-Shawaf, Professor Associado de Psicologia na Universidade do Colorado em Colorado Springs, escreveu quatro ensaios distintos, mas relacionados, sobre por que temos de levar a psicologia evolucionistas a sério. Um dos principais pontos desses textos é mostrar que a psicologia evolucionista não está mais preocupada principalmente em inventar explicações para o comportamento humano, mas, agora, está empenhada em prever o que esperamos encontrar sobre o comportamento humano antes que essas observações sejam feitas. E, com certeza, ele cita muitos casos em que a psicologia evolucionista nos esclareceu sobre a origem de nossos comportamentos. Além disso, ela levantou novas questões que podem ser testadas – o que constitui a marca de uma ciência em progresso.

Os textos já são um recurso em si, então não vou resumir o que cada ensaio diz: vou apenas fornecer os links e alguns trechos. O objetivo é dar a você munição suficiente para combater aqueles que consideraram toda a área inútil – como se fosse um balanço de parquinho para mentes brincalhonas.

O primeiro ensaio dissipa equívocos sobre o campo; o curto segundo ensaio repete a distinção de Mayr entre explicações proximais para comportamentos (ou seja, o mecanismo que os produz, como uma onda de hormônios) versus explicações últimas/distais (a explicação evolutiva; por que esses comportamentos surgiram); o terceiro (e mais substancial dos três) dá um monte de exemplos em que a psicologia evolutiva fez previsões a priori que foram verificadas e, assim, produziram novos insights; e o último ensaio, no Psychology Today, resume alguns exemplos de comportamentos que não fazem sentido, exceto (como disse Dobzhansky) “à luz da evolução”.

Como diz Al-Shawaf, os ensaios não precisam ser lidos em ordem. Se eu escolhesse os dois mais importantes, seriam o  #1 e o #3, principalmente o  #3, que está cheio de referências a estudos.

Ensaio 1: Equívocos sobre a psicologia evolucionista: (todos os ensaios, exceto o último, estão na Areo)

“O objetivo deste ensaio não é sugerir que as abordagens evolutivas da psicologia sejam perfeitas. Eles não são, e certamente há espaço para melhorias. No entanto, os equívocos generalizados discutidos nesse ensaio impediram a aceitação do campo entre os acadêmicos e o público em geral. E dado que essas preocupações são em grande parte infundadas, a rejeição de muitas pessoas à psicologia evolucionista tem pouco a ver com seus méritos e limitações reais e, em vez disso, baseia-se em uma base de equívocos.

Talvez e mais importante, esses equívocos impedem o progresso da psicologia como um todo, porque a ciência da mente e do comportamento não pode atingir todo o seu potencial se ignorar a evolução. Simplesmente não há como escapar do fato de que nossos cérebros são um produto da evolução e que isso tem consequências importantes para o funcionamento de nossas mentes.”

Ensaio 2: Níveis proximais e últimos/distais de análise:

Este ponto refuta a citação no primeiro parágrafo:

“Por que a divisão explicativa dos fenômenos em diferentes níveis de análise se aplicaria apenas à biologia e não à psicologia? Assim como o coração e o fígado, os aspectos da mente estão sujeitos às mesmas quatro questões: como se desenvolvem ao longo da vida do organismo (ontogenia ou desenvolvimento); como funcionam no momento presente (mecanismo); como evoluíram ao longo do tempo (filogenia); e por que eles evoluíram (função).

Os cientistas, há muito tempo, sabem que não podem pular nem o nível imediato nem o último nível de análise se quiserem uma compreensão completa de nossos órgãos corporais. O mesmo vale para nossos órgãos mentais – se quisermos uma compreensão completa de, digamos, atenção, memória e emoção – precisaremos abordar esses aspectos da mente nos níveis de análise imediato e final.

Isso não implica que todos os aspectos de nossas mentes tenham uma função evoluída. Como os psicólogos evolucionistas lhe dirão, nossas mentes contêm muitos subprodutos [byproducts] (efeitos colaterais) que não têm função evoluída. Mas mesmo esses subprodutos sem função requerem o nível último de análise: eles evoluíram ao longo do tempo (portanto, requerem o nível filogenético de análise) e são subprodutos de adaptações que têm uma função biológica (portanto, exigem o nível funcional de análise). Simplesmente não há como evitar a conclusão de que o nível último de análise se aplica à mente e como ela funciona.”

Observe que Al-Shawaf admite tranquilamente que existem subprodutos na mente e no comportamento: são efeitos colaterais de características evoluídas que não foram diretamente favorecidas pela seleção natural. Os psicólogos evolucionistas não gastam mais seu tempo procurando comportamentos humanos aleatórios e inventando razões pelas quais eles poderiam ter sido favorecidos pela seleção, e depois saem por aí comemorando e dizendo “trabalho bem feito!”

Ensaio 3: Prevendo novas descobertas:

“Uma repetição comumente vista nas ciências sociais é que as hipóteses psicológicas evolutivas são “just-so stories”. Surpreendentemente, nenhuma evidência é normalmente apresentada para a alegação – a afirmação é geralmente feita tout court. O cerne da acusação de “just-so stories” é que as hipóteses evolutivas são narrativas convenientes que os pesquisadores inventam, após o fato, para concordar com as observações existentes. Isso é verdade?

As abordagens evolutivas levam a novas previsões? Há novas descobertas?

Na realidade, as evidências sugerem que as abordagens evolutivas geram um grande número de novas previsões e novas descobertas sobre a mente humana. Para fundamentar essa afirmação, as descobertas nesse ensaio foram previstas a priori pelo raciocínio evolutivo – em outras palavras, as previsões foram feitas antes dos estudos. Elas, portanto, não podem ser histórias post-hoc inventadas para se encaixar em dados já existentes.”

Existem toneladas de descobertas. Aqui, apenas uma amostra para um dos vários comportamentos ou emoções:

Nojo

Não se trata apenas da raiva, é claro – as teorias evolutivas oferecem poder preditivo semelhante em outras áreas da psicologia.

Considere as seguintes previsões evolutivas sobre o nojo, todas feitas a priori: 1) o nojo das pessoas será mais fortemente desencadeado por objetos que apresentam maior risco de infecção, 2) as mulheres sentirão mais nojo durante o primeiro trimestre da gravidez em comparação com os segundo e terceiro trimestres, 3) as pessoas que crescem em regiões do mundo com níveis mais altos de doenças infecciosas serão menos extrovertidas, menos abertas a novas experiências e menos interessadas em relações sexuais de curto prazo do que suas contrapartes que crescem em regiões relativamente livres de patógenos, 4) diferenças interculturais na prevalência de patógenos predizem diferenças interculturais no individualismo-coletivismo, 5) aqueles com uma propensão mais forte para relações sexuais de curto prazo serão menos enojados, 6) provocar repulsa experimentalmente reduzirá o interesse em relações sexuais de curto prazo, 7) as pessoas sentirão menos repulsa por sua própria prole e pelos resíduos corporais de sua prole em comparação com a prole de outras pessoas e 8) apresentar ameaça de doença às pessoas causará uma série de mudanças psicológicas e fisiológicas que reduzem a probabilidade de infecção, incluindo a) liberação de citocinas pró-inflamatórias, b) retraimento comportamental, c) tornar-se temporariamente menos abertas a novas experiências e d) reduzir o desejo de se vincular a outras pessoas. Todas essas previsões foram geradas antes do fato com base no raciocínio evolutivo, e todas foram subsequentemente comprovadas pelos dados.

Observe que algumas dessas descobertas provavelmente poderiam ter sido previstas sem o raciocínio evolutivo. Para outras, teria sido mais difícil. E, para outras ainda, teria sido quase impossível.

O ponto crucial, porém, é que em nenhum ponto desses exemplos uma explicação evolutiva é inventada post hoc para estar de acordo com os dados existentes. Em cada caso, o raciocínio evolutivo está sendo usado para gerar uma nova hipótese – e essa hipótese é então testada, levando a novas descobertas. Em outras palavras, não estamos nos movendo a partir de observações conhecidasexplicações post-hoc convenientes – estamos nos movendo a partir do raciocínio evolutivonovas previsões a priori que são testadas, levando a → novas descobertas sobre fenômenos previamente desconhecidos.

Observe como as evidências acima entram em conflito com a alegação de “just-so stories”. O cerne da acusação de “just-so stories” é a ideia de que as hipóteses evolutivas são histórias aparentemente plausíveis que os pesquisadores inventam após o fato para concordar com observações conhecidas. Mas os exemplos neste ensaio – que são bastante padronizados – mostram que a acusação é lamentavelmente mal informada. As hipóteses evolutivas na psicologia arriscam o pescoço, fazendo previsões claras a priori que são, então, testadas e rejeitadas ou apoiadas pelas evidências.”

Ensaio 4: Explicando descobertas conhecidas, mas intrigantes:

O fato é que muitas descobertas nas ciências sociais e cognitivas realmente não fazem sentido, exceto à luz da evolução. Por exemplo, o pensamento evolutivo ajuda a explicar por que nossos sonhos incluem modalidades sensoriais específicas e por que nossos corpos são vulneráveis a doenças. Sem a teoria da evolução, seria difícil entender o Efeito Coolidge em animais machos. Preferências específicas de parceiros, como simetria facial ou vozes graves, parecem arbitrárias e inexplicáveis. A evolução produz insights sobre tópicos de psicologia e comportamento tão abrangentes quanto o conflito materno-fetal no útero, o conflito entre filhos e pais sobre as decisões de relações sexuais dos filhos, por que as diferenças de personalidade são hereditárias, por que a psicopatia não foi eliminada das populações humanas, por que ansiamos por alimentos que nos fazem mal, por que suprimir a febre pode ser prejudicial, por que condenar alguém ao ostracismo é uma das coisas mais agonizantes que você pode fazer a ela, por que casamentos taiwaneses de homens mais velhos com mulheres bem mais jovens, por questões financeiras, são atormentados por dificuldades sexuais e amorosas, por que homens têm picos de agressividade durante a adolescência e o início da idade adulta, por que os humanos têm um “viés auditivo iminente” que se aplica a tons harmônicos, mas não a ruídos de amplo espectro, por que a fala indireta tem as características que tem, por que os transtornos mentais têm as características que têm, por que a psicologia de coalizão funciona da maneira que funciona e por que objetos não infecciosos às vezes provocam repulsa.

De modo decisivo, a alegação de que a evolução ajuda a explicar esses fenômenos não implica que eles sejam todos adaptações. Muitas das explicações listadas acima são distintamente não adaptativas por natureza.

De modo igualmente importante, por favor, não caia na armadilha comum de pensar que o raciocínio evolutivo só pode ser usado para explicar fatos conhecidos, mas não prever novos. Existem centenas de exemplos de novas previsões (e descobertas) geradas por abordagens evolutivas da mente. Algumas dezenas são descritas aqui.”

Então aí está sua cartilha de psicologia evolucionista. Os artigos são curtos; eu recomendaria ler um por um na hora de dormir todas as noites. Eles servirão como sua inoculação pasteuriana contra a mordida de cães raivosos que não sabem nada sobre a moderna psicologia evolucionista, mas se opõem a ela por motivos ideológicos. E esses fundamentos certamente devem envolver a ideia “progressista” de que os humanos são infinitamente maleáveis em comportamento. Infelizmente, como revelou o experimento comunista, isso não é verdade.”

“Desajuste Evolutivo” – Glenn Geher (Evolutionary Psychology 101)

“Desajuste Evolutivo [Evolutionay Mismatch]

Ao estudar o apego entre bebês e seus pais, John Bowlby (1969) adotou uma perspectiva evolutiva. Em seu tratado clássico na área, Bowlby cunhou o termo ambiente de adaptabilidade evolutiva [environment of evolutionary adaptedness] (AAE). Este conceito refere-se às condições ambientais que tipificaram os ancestrais de uma espécie, com a ideia de que os organismos não evoluíram as características que possuem para corresponder aos seus ambientes atuais. Todos os organismos são produtos de milhares de gerações de seleção anteriores à sua existência. No entanto, a evolução não tem bola de cristal. Portanto, o melhor que os processos de seleção podem fazer é fornecer a um organismo adaptações que foram úteis para seus ancestrais sob quaisquer que fossem as condições ecológicas da época – essencialmente, fazendo uma “suposição” baseada em probabilística de que o ambiente será o mesmo. É claro que os ambientes mudam, mas sem saber se, como e quando essa mudança ocorrerá, preparar organismos para ambientes ancestrais é essencialmente a melhor aposta.

Normalmente, isso funciona bem, mas, às vezes, os contextos mudam em um curto período de tempo e os organismos se encontram em situações para as quais não estão realmente preparados evolutivamente. Um exemplo famoso disso é o das tartarugas marinhas da Flórida. Por milhões de anos, as tartarugas marinhas vinham para as praias da Flórida para desovar e seus filhotes iam em direção ao mar – para viver uma vida longe dali – e retornar à Flórida anos depois (assim como os nova-iorquinos!). Acontece que a maneira pela qual as tartarugas jovens sabiam se dirigir na direção do oceano era baseada na luz que brilhava no mar à noite. O mar reflete lindamente a luz da lua e das estrelas e, por milhões de anos, um algoritmo simples de “dirigir-se à luz à noite” permitiu que as tartarugas se dirigissem efetivamente ao mar para buscar uma estratégia de vida eficaz. Bem, então veio Miami. Não a construída pelo Once-ler, mas é a mesma ideia. Miami e as outras grandes cidades da costa da Flórida ficam repletas de luzes brilhantes à noite, o que levou a uma catástrofe ecológica para as tartarugas marinhas (ver Schlaepfer, Runge e Sherman, 2002). Moldados pela evolução para irem em direção à luz à noite, os filhotes partiram para as rodovias e cidades aos milhões – encontrando a morte prematura em vez de uma longa vida no mar. Esta é uma questão ainda hoje, abordada por várias sociedades de conservação.

Este é um caso de desajuste entre as condições atuais existentes e o AAE das tartarugas marinhas. Os organismos evoluem para corresponder às qualidades do AAE e, quando as condições modernas não correspondem ao AAE, pode haver problemas.

A psicologia evolucionista relaciona-se fortemente com questões do AAE para humanos. Antes do advento da agricultura, cerca de 10.000 anos atrás, os humanos não ficavam parados – não podiam, pois tinham que ir atrás de comida. Como tal, eles viviam em pequenos bandos nômades (com as melhores estimativas de tamanho típico sendo aproximadamente de 150 indivíduos; ver Dunbar, 1992). Além disso, esses clãs dos primeiros Homo sapiens tendiam a incluir muitas famílias, de modo que qualquer indivíduo desse clã provavelmente era parente de uma boa proporção do grupo. Foi assim por milhões de anos para nossa espécie. O advento da agricultura levou rapidamente à civilização, que então levou rapidamente a um importante problema do AAE para nossa espécie. Nas sociedades ocidentalizadas, as pessoas tendem a viver em grandes cidades. Eles podem encontrar milhares de indivíduos em um dia, sendo que 99% desses indivíduos são estranhos. O membro da família mais próximo pode estar a 500 milhas de distância, e a forma mais comum de comunicação pode ser mensagens de texto via celular. Isso é claramente um desajuste, e muito da psicologia evolucionista fala sobre esse desajuste. Nas palavras dos renomados evolucionistas Leda Cosmides e John Tooby (1997, p. 85), “nossos crânios modernos abrigam uma mente da Idade da Pedra”.

Esse desajuste leva a muitos problemas modernos da humanidade. Como exemplo, considere o fato de que o McDonald’s ser tão popular quanto é. No entanto, a comida é notoriamente ruim em termos de valor nutricional. Como surgiu essa popularidade? De uma perspectiva evolutiva, a resposta está no AAE. Sob as condições humanas ancestrais, a seca na savana africana era comum – e com a seca vem a fome. Se a fome é comum, faz sentido que você tente obter o máximo de gordura corporal possível. No entanto, alimentos com alto teor de gordura e alto teor de açúcar eram raros. Toda a carne consumida por nossos ancestrais era magra – não havia fazendas que criassem porcos gordos – pois todos os animais eram selvagens e atléticos por necessidade. Uma preferência de sabor por alimentos com alto teor de gordura e açúcar sob tais condições daria claramente uma vantagem ao indivíduo. Assim, uma preferência faria com que esse indivíduo procurasse alimentos com alto teor de gordura e açúcar, e consumir o máximo possível desses alimentos (soa familiar?!) seria uma ótima estratégia, dada a escassez geral de tais alimentos e o fato constante das secas no meio ambiente. Portanto, essas preferências de gosto seriam selecionadas, porque os indivíduos com essas preferências seriam mais capazes de sobreviver e, em última análise, reproduzir para, finalmente, passar essas preferências para macacos como nós! Nosso amor pelo McDonald’s (manifesto pelos bilhões e bilhões servidos) é o resultado desse desajuste entre as sociedades ocidentalizadas modernas e o AAE humano. Claramente, esse fato resulta em consequências importantes para a saúde e para a sociedade, como altas taxas de doenças cardíacas e diabetes tipo 2. Como você pode ver, a psicologia evolucionista fornece uma estrutura forte e poderosa para a compreensão de características tão importantes da condição humana.”

Geher, Glenn. Evolutionary Psychology 101. Springer, 2013, pp. 17-19.

Bate-papo online sobre a tradução do artigo “A evolução e a ética vistas a partir de duas metáforas: máquina e organismo”, do Filósofo da Biologia Michael Ruse | 30 de novembro de 2022, 18hs

Bate-papo online sobre a tradução do artigo

“A evolução e a ética vistas a partir de duas metáforas: máquina e organismo”

Boletim de História e Filosofia da Biologia, 16 (3), set. 2022. https://www.abfhib.org

do Filósofo da Biologia Michael Ruse

30 de novembro de 2022, 18hs

Tradução de:
Iago Pereira
Maíra Bittencourt
Maria Irene Baggio
Matheus Coelho
Walter Valdevino

Grupo de Pesquisa Moralidade, Evolução e Política (PPGFil-UFRRJ, CNPq-UFRRJ)

Pesquisadores evolucionistas temem que tendências políticas estejam impedindo o progresso na psicologia evolutiva, de acordo com novo estudo [PsyPost]

“Pesquisadores evolucionistas temem que tendências políticas estejam impedindo o progresso na psicologia evolutiva, de acordo com novo estudo

por Beth Ellwood
31 de maio de 2022
em Psicologia Social

https://www.psypost.org/2022/05/evolutionary-scholars-worry-political-trends-are-impeding-progress-in-evolutionary-psychology-according-to-new-study-63247

Uma pesquisa sistemática entre pesquisadores evolucionistas sugere uma ausência de progresso na disciplina da ciência evolutiva humana. De acordo com as respostas dos participantes, muitos pesquisadores estão preocupados que as tendências políticas na academia estejam contribuindo para o aumento da hostilidade em relação ao campo. Os resultados foram publicados no Journal of the Evolutionary Studies Consortium.

O campo da pesquisa evolutiva humana encontrou resistência tanto de acadêmicos quanto de pessoas comuns. Na América, cerca de metade da população não acredita que os humanos descendem de espécies anteriores. E embora a maioria dos estudiosos aceite a teoria evolutiva, muitos são resistentes a aceitar explicações evolutivas para o comportamento social humano.

Em 2010, uma equipe de pesquisadores, incluindo Daniel J. Kruger, conduziu um estudo para explorar sistematicamente o estado da pesquisa evolutiva humana avaliando uma grande amostra de estudiosos evolucionistas. As descobertas gerais sugeriram que os estudiosos estavam, de modo geral, otimistas de que o campo ganharia aceitação nos próximos anos. Mais recentemente, Kruger e sua equipe realizaram uma pesquisa de acompanhamento para avaliar se essas previsões esperançosas seriam cumpridas.

Essa segunda rodada, realizada dez anos depois, em 2020, pesquisou novamente uma amostra de estudiosos evolucionistas e fez perguntas sobre seus desafios acadêmicos e de carreira. A amostra foi recrutada solicitando membros de várias sociedades de ciências evolutivas humanas, bem como participantes que completaram a pesquisa de 2010. Os participantes incluíram professores e alunos que usam perspectivas evolutivas para estudar a psicologia e o comportamento humano.

“É importante avaliar e entender o estado geral e o progresso dos campos científicos”, disse Kruger ao PsyPost. “Escrevemos vários artigos documentando as experiências de estudiosos que usam uma estrutura evolutiva para entender a psicologia e o comportamento humano. A evolução por seleção natural e sexual é a teoria mais poderosa nas ciências da vida e a única estrutura teórica que pode unir campos díspares”.

“No entanto, desde a publicação de Darwin em 1859 de ‘A Origem das Espécies’, tem havido resistência à ideia de que as forças evolutivas moldaram nossa própria espécie. As abordagens evolucionárias da psicologia foram criticadas, embora muitas críticas sejam baseadas em mal-entendidos”.

A amostra final foi composta por 579 pesquisadores entre 20 e 89 anos, sendo 61% homens, 38,3% mulheres e 0,7% que indicaram outro gênero. A maioria dos entrevistados estava na América do Norte (59,7%), enquanto 28,6% estavam na Europa, 4,6% na América do Sul, 4,3% na Ásia e 2,8% na Oceania. Os três principais campos de estudo listados foram Psicologia (57,9%), Antropologia (18%) e Biologia (6%).

No geral, os estudiosos relataram preocupações semelhantes sobre a pesquisa evolutiva em 2020, assim como na década anterior. No entanto, houve algumas evidências sugerindo que os estudiosos estavam um pouco menos otimistas em 2020. Os entrevistados relataram avanços menores na proeminência da pesquisa evolutiva na última década e também previram avanços menores nos próximos dez anos.

Muitos estudiosos observaram que eles eram os únicos estudiosos evolucionistas em seu departamento e, quando perguntados sobre as opiniões de seu departamento sobre psicologia evolutiva, as respostas foram variadas. Em comentários abertos, alguns participantes relataram que seu departamento ou campo era muito favorável às perspectivas evolucionárias, enquanto outros notaram que hostilidade, falta de compreensão ou atitudes depreciativas eram generalizadas. Em muitos casos, os entrevistados aludiram a um aumento no politicamente correto e questões de justiça social como um fator relacionado a essa hostilidade.

Os entrevistados também foram questionados sobre questões relacionadas à sua carreira ou campo. “Vários entrevistados observaram que a academia mudou politicamente para a esquerda na última década, especialmente nos últimos anos nos EUA”, escreveram Kruger e seus colegas em seu estudo. “Essa mudança cultural foi vista como uma crescente hostilidade aos modelos evolucionários, tanto por causa de implicações genuínas (por exemplo, os humanos não são lousas em branco intercambiáveis) quanto por percepções errôneas contínuas (ou seja, modelos evolucionários são inerentemente racistas, sexistas, transfóbicos etc.).”

De acordo com suas descobertas, os autores do estudo sugerem que o campo não avançou no tempo com o otimismo relatado pelos estudiosos em 2010, mas parece ter se estabilizado. Eles sugerem que os estudiosos evolucionistas podem precisar fazer mais para promover ativamente abordagens evolucionárias e resolver equívocos relacionados à sua disciplina. Notavelmente, a amostra de 2020 foi composta por um número maior de professores e um número menor de alunos em relação à amostra de 2010, o que pode ter enviesado os resultados para as percepções dos professores.

“Pesquisadores que adotam abordagens evolucionárias para entender a psicologia e o comportamento esperam ver um progresso contínuo na integração da teoria evolutiva nas ciências humanas, por causa do poder da teoria e da natureza cumulativa das evidências”, disse Kruger. “Infelizmente, essa abordagem parece ter se estabilizado por enquanto, já que as tendências gerais na academia (incluindo um aumento na politização da ciência) mudaram o interesse para outras áreas ou aspectos.”

“Pode ser necessário que as sociedades evolutivas e os estudiosos tenham um papel mais ativo na promoção de perspectivas evolutivas tanto na academia quanto no discurso público”, acrescentou. “Mudar a dinâmica política pode exigir maiores esforços para dissipar equívocos sobre a teoria evolutiva e sua aplicação aos humanos. As soluções para os desafios atuais da humanidade serão mais eficazes se forem informadas por uma compreensão precisa da humanidade, que, claro, teria a teoria evolucionária como base. Avaliações futuras revelarão se a pesquisa evolutiva em humanos é marginalizada na academia ou experimenta um ressurgimento”.

O estudo, “The 2020 Survey of Evolutionary Scholars on the State of Human Evolutionary Science”, é de autoria de Daniel J. Kruger, Maryanne L. Fisher, Steven M. Platek e Catherine Salmon.

https://evostudies.org/wp-content/uploads/2022/03/Kruger-et-al.-2022-Vol9Iss1.pdf

1º Seminário dos Grupos de Pesquisa do PPGFil-UFRRJ | Grupo de Pesquisa Evolução, moralidade e política | 27/04/22, 13:30

1º Seminário dos Grupos de Pesquisa do PPGFil-UFRRJ | 25 a 28 de abril de 2022

https://cursos.ufrrj.br/posgraduacao/ppgfil/1o-seminario-dos-grupos-de-pesquisa

O evento será exclusivamente online, através da plataforma Google Meet.

Prazo final para inscrição de ouvintes: 23 de abril de 2022, sábado, 23:59.

A inscrição para ouvintes é gratuita e deverá ser feita através de Formulário Google.

O link de acesso ao Google Meet será enviado, no dia 24 de abril de 2022, para o e-mail preenchido no formulário de inscrição.

O certificado de participação para os presentes também será enviado através do e-mail preenchido no formulário de inscrição.

Quarta-feira, 27 de abril de 2022

Grupo de Pesquisa Evolução, moralidade e política

13:30 – Walter Valdevino Oliveira Silva (PPGFil-UFRRJ): Teoria da Evolução como base para a moralidade e a política

14:00 – Iago Pereira da Silva (PPGFil-UFRRJ): O problema da base biológica para a ética normativa

14:30 – Maíra Bittencourt (Mestre em Filosofia – Unicamp): Bayesianismo e Filosofia da Ciência

15:00 – Miécimo Ribeiro Moreira Júnior (PPGLM-UFRJ): Teogonia Política

15:30 – Paulo Marcos da Silva (Biologia – Freie Universität Berlin): Evolução da genitália humana comparada com a de primatas

16:00 – Matheus Adriano Ferreira Coelho (Biologia-UFRJ): As quatro questões de Tinbergen: como a biologia pode nortear as ciências humanas

CLIQUE AQUI PARA SE INSCREVER NA SESSÃO DO DIA 27/04/22 DO GRUPO DE PESQUISA EVOLUÇÃO, MORALIDADE E POLÍTICA.

“Economic Development, the Nutrition Trap and Metabolic Disease”

Trabalho na interseção entre economia e biologia revela insigths sobre a saúde pública

https://news.yale.edu/2022/02/22/work-intersection-economics-and-biology-reveals-public-health-insight

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Luke, Nancy; Munshi, Kaivan; Oommen, Anu Mary; and Singh, Swapnil, “Economic Development, the Nutrition Trap and Metabolic Disease” (2021). Discussion Papers. 1087.
https://elischolar.library.yale.edu/egcenter-discussion-paper-series/1087

https://elischolar.library.yale.edu/egcenter-discussion-paper-series/1087/

https://elischolar.library.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2086&context=egcenter-discussion-paper-series

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Durante décadas, os cientistas não conseguiram determinar por que exatamente há uma alta incidência de diabetes e outras doenças metabólicas entre indivíduos considerados de peso normal nos países em desenvolvimento. Um enigma relacionado é por que a desnutrição nem sempre diminui com o desenvolvimento econômico.

Um novo estudo liderado por Kaivan Munshi, de Yale, argumenta que há uma única explicação biológica para ambos.

Em um novo documento de trabalho, Munshi, professor de economia na Faculdade de Artes e Ciências de Yale e afiliada do Centro de Crescimento Econômico (EGC), e uma equipe de coautores descrevem como um aumento no consumo de alimentos pode colidir com uma metabolismo herdado do indivíduo, causando maior incidência de doenças por algumas gerações em uma linhagem familiar. Se os resultados suportarem mais testes, eles podem ter amplas ramificações para programas e políticas de nutrição destinados a conter o diabetes nos países em desenvolvimento.

O artigo foi lançado como parte da série de Documentos de Discussão do EGC.

Em pesquisas anteriores, Munshi explorou como os laços entre membros de grupos sociais – incluindo castas na Índia e grupos de migrantes nos Estados Unidos – funcionam na economia mais ampla. Em 2012, enquanto estava na Universidade de Cambridge, recebeu financiamento do National Institutes of Health para um estudo sobre o papel que os grupos comunitários podem desempenhar nos programas de controle da tuberculose no sul da Índia. Isso levou à sua pesquisa sobre doenças metabólicas – qualquer doença ou distúrbio que interrompa o metabolismo, o processo de conversão de alimentos em energia. Munshi continuou essa linha de pesquisa desde que ingressou no corpo docente de Yale em 2019.

O novo estudo remonta à história para entender as ligações entre as tendências atuais de desenvolvimento contemporâneo e a saúde pública.

Em estudos anteriores, os pesquisadores argumentaram que, na economia pré-moderna, a ingestão calórica das pessoas era geralmente baixa, embora houvesse grandes flutuações de curto prazo na quantidade de alimentos disponíveis. Ao longo de séculos, quando as sociedades humanas quase não viram crescimento econômico, o corpo humano se adaptou tanto a essa escassez de alimentos de longo prazo quanto a flutuações por meio de vários processos físicos, inclusive estabelecendo e defendendo um “ponto de ajuste” para a massa corporal.

A teoria do ponto de ajuste postula que o corpo tem um sistema estabilizador – ou “homeostático” – que usa ajustes metabólicos e hormonais para manter o equilíbrio energético do corpo contra flutuações na ingestão de alimentos. Esses ajustes metabólicos teriam compensado os períodos temporários de consumo maior ou menor, mantendo o corpo em um índice de massa corporal (IMC) estável – e necessariamente baixo -, que é aproximadamente o peso de um indivíduo dividido pela altura.

Os sistemas homeostáticos, entretanto, só podem se autorregular dentro de limites fixos; quando esses limites forem excedidos, o sistema falhará. Com o início do crescimento econômico na economia moderna, um aumento acentuado na disponibilidade de alimentos foi um choque para o sistema.”

“Wheat has corrupted humanity; The grain gave birth to the tyrannical state” by John Lewis-Stempel [Unherd]

“O trigo corrompeu a humanidade

O grão deu origem ao estado tirânico

POR JOHN LEWIS-STEMPEL
John Lewis-Stempel é agricultor e historiador. Seus livros incluem Six Weeks e Where Poppies Blow. Ele está atualmente trabalhando em uma história de Paris.

21 de março de 2022

https://unherd.com/2022/03/wheat-has-corrupted-humanity/

A praga que é o trigo se enraizou há 10.000 anos, quando o Triticum aestivum, ou trigo para pão, foi domesticado a partir de gramíneas selvagens no “Crescente Fértil” do Oriente Médio. Inicialmente, os neolíticos locais cultivavam trigo ao lado de caçadores-coletores tradicionais e pastoreio incipiente (pecuária). Mas o trigo é um senhor de escravos, exigente em suas necessidades específicas e diárias, não menos na interminável – ou assim nos parece para aqueles que já cultivamos o material – capina. O trigo nos prendeu a um ciclo sazonal de plantio, capina e colheita do qual não conseguimos escapar desde então. Também nos tornou mais sedentários, tanto em termos de nos acorrentar a assentamentos estáticos, quanto de nos tornarmos menos ativos. Proteger um campo de trigo de javalis requer menos energia do que caçar javalis (…).

A observação de colheitas pode exigir pouca energia, mas exige tempo. Com menos horas para caçar e forragear, optamos por uma dieta restrita. Em Abu Hereyra, na Síria, a arqueologia registra essa mudança: quando os ocupantes eram caçadores-coletores, consumiam 150 plantas silvestres; como agricultores aráveis, eles comiam apenas um punhado de colheitas. A saúde humana se deteriorou; o corpo humano mudou. Singularmente, a mandíbula encolheu, uma vez que a nova dieta de trigo exigia menos mastigação do que a carne. Os dentes humanos não reduziram proporcionalmente à mandíbula menor, então a consequência foi a supreposição dentária. A dieta de amido – o principal componente do trigo – causava cáries. E o valor dietético do trigo, que de qualquer forma era apenas modestamente nutritivo, diminuiu em até 30% sob a agricultura industrializada contemporânea.

A questão intrigante é: se o cultivo de trigo alterou nossa estrutura corpórea, isso alterou nosso cérebro? Os rituais e requisitos sistemáticos de plantar e colher trigo mudaram nossos cérebros para nos tornar mais dóceis? Organizados? Cooperativos? Desconectados da natureza? Afastou-nos do animismo para o louvor de Ceres, deusa das colheitas de cereais, e depois para um Deus abstracto e monolítico a quem pedimos o nosso pão de cada dia.

O que o trigo certamente fez foi facilitar a ascensão do Estado. Como explica James C. Scott, codiretor do Programa de Estudos Agrários da Universidade de Yale, em Against the Grain, o trigo se tornou a melhor maneira de tributar as pessoas: “A chave para o nexo entre grãos e Estados está, acredito, no fato de que apenas os grãos de cereais podem servir de base para a tributação: visíveis, divisíveis, avaliáveis, armazenáveis, transportáveis e ‘racionais’.”

(…)

Mas onde você tem trigo, historicamente, você tem controle estatal ou algo parecido. A taxação do trigo possibilitou o surgimento de elites improdutivas, que necessitavam de um braço armado para defender seu regime. A comida que alimentou o aumento populacional necessário para o pessoal do exército, o punho do Estado? Trigo. Pobre em nutrientes, mas densa em energia, forragem para as massas, fornecia energia e saúde apenas o suficiente para trabalhar, procriar, lutar. Os primeiros Estados de grãos eram “máquinas populacionais” (Scott novamente), domesticando as pessoas como o agricultor domestica o rebanho de vacas.

As pessoas mais “domesticadas” eram os escravos, utilizados nos aspectos mais desagradáveis da produção do trigo. Os Estados do trigo eram Estados escravistas.

(…)

A sociedade ocidental acabou se organizando em torno da produção e consumo de trigo. E assim se tornou a ferramenta política final. A iconografia do comunismo de um martelo para o proletariado e uma foice de corte de trigo para o campesinato acabou sendo uma das ironias mais cruéis da história. O martelo foi levado para os trabalhadores, a foice para o camponês. Além de ser fácil de tributar, o trigo é fácil de confiscar. E como o trigo é uma cultura de subsistência, remova-o e você terá fome. Durante o Holodomor, a fome ucraniana de 1932-33, Stalin deliberadamente privou a população do país – que não tinha ardor suficiente para o governo de Moscou – de trigo. Cerca de 3,9 milhões de ucranianos, cerca de 13% da população, morreram.

(…)

Em 1976, a Monsanto desenvolveu o herbicida Roundup. Eles então criaram cultivares de trigo geneticamente resistentes ao seu próprio produto, eventualmente produzindo em massa a linha de sementes Roundup Ready em 2019. Sim, você leu certo: os grãos foram desenvolvidos por sua capacidade de lidar com um produto químico que a Monsanto queria negociar. Portanto, se o agricultor comprar a semente Roundup Ready, ele comprará o herbicida Roundup vinculado. E a Monsanto fatura duas vezes.

O uso de produtos químicos no cultivo convencional de trigo faz muito pelos cofres da Monsanto (agora propriedade da Bayer), mas está transformando áreas do interior do Reino Unido em um caixão para a natureza. O trigo é a causa de mais problemas ambientais do que se pode imaginar. Embora os lobistas e os apologistas do agronegócio insistam que o uso de pesticidas diminuiu no último quarto de século, isso não ocorre quando se trata do trigo. Entre 2000 e 2016, a média de passes de pulverização (aplicações) sobre trigo aumentou de 5,5 para 6,6, enquanto as substâncias ativas em sprays passaram de 14,7 para 20,5.

(…)

Os problemas ambientais do trigo continuam. O plantio anual requer lavoura anual e essa agitação constante da terra mata os organismos vivos do solo, libera CO2 do carbono armazenado no solo e exacerba as mudanças climáticas. E eu nem mencionei os efeitos negativos do nitrogênio como fertilizante artificial principal do trigo industrial, com seus escoamentos poluentes e sua liberação de óxido nitroso – um gás de efeito estufa que, libra por libra, aquece o planeta 300 vezes mais que o dióxido de carbono.

(…)

De qualquer forma, em um mundo que ruma para a obesidade a e diabetes tipo 2, dificilmente são necessários mais carboidratos dos pães fatiados da Mother’s Pride.

(…)

A humanidade tomou um rumo errado com o trigo. Mas nem tudo não está perdido. Se a invasão russa da Ucrânia está causando um repensar em nossa dependência de petróleo e gás, este também é o momento de lançar sementes de dúvida sobre nossa dependência do “grão de ouro”. Por que não capim sobre faixas das pradarias aráveis de East Anglia – e Ucrânia – e os abastecer com gado e ovelhas criados ao ar livre? O capim não precisa de produtos químicos, e o esterco de gado é excelente para restaurar a fertilidade do solo e a biodiversidade; uma única vaca pode alimentar 2,2 milhões de insetos por ano, o que significa abundância de petiscos para pássaros e morcegos.

Eu sei, eu sei, como todo vegano exclamará: “Vacas arrotam metano”! Mas não é a vaca, é o como [“But it is not the cow, it is the how.”]. Uma vaca ao ar livre, em pasto estabelecido, com suplemento de algas marinhas redutoras de metano e baixa densidade de estocagem, está na verdade sequestrando carbono. Assim, os bovinos são um problema climático menor do que as roupas sintéticas, já que os esportistas sozinhos causam 1,4% das emissões globais de gases de efeito estufa. Só se pode presumir que os conselheiros de Oxford que tomaram a decisão, recentemente, de defender uma política “sem carne” são nudistas. Ou estúpidos. Ou anti-natureza. Ou todos os três.

Para salvar o planeta, a pastorícia é a solução inteligente. O cérebro é composto 60% de gordura, e a gordura rica em ômega da carne alimentada com capim é excelente para a saúde mental. A condição sine qua non do pensamento livre. Carne e liberdade! Mais carne, menos trigo!”

“Outrage! Our minds and morals did not evolve to cope with social media” By Tim Dean

“Ultraje! Nossas mentes e moral não evoluíram para lidar com as mídias sociais

A indignação é uma emoção útil que ajudou nossos ancestrais a sobreviver. Hoje, isso nos deixa com raiva, cansados, impotentes e miseráveis.

https://bigthink.com/thinking/outrage/

18 DE MARÇO DE 2022

Tim Dean
Tim Dean é Filósofo Sênior no The Ethics Center e autor de How We Became Human.

A indignação é uma emoção evolutivamente útil porque pune os infratores e mantém as pessoas na linha. Hoje, expressamos grande parte de nossa indignação online, que não serve a nenhum propósito específico e raramente aborda a ofensa moral ou procura corrigi-la. Não somos escravos da nossa natureza. Podemos nos desvencilhar da indignação.

O que a evolução tem a ver com o problema da toxicidade das mídias sociais? A resposta curta é: mais do que você imagina. A resposta mais longa é: a toxicidade da mídia social é, em parte, um subproduto da maneira como nossas mentes evoluíram para pensar sobre o certo e o errado.

Assim como nossos corpos, nossas mentes foram moldadas por nossa longa história evolutiva como animais sociais, que passou a maior parte de seu passado evolutivo vivendo em sociedades de pequena escala. Essas sociedades tinham dinâmicas sociais radicalmente diferentes em comparação com as sociedades online massivas, diversificadas e globalizadas em que vivemos hoje. E muitos dos problemas sociais e morais que nossos ancestrais distantes tiveram que resolver também eram radicalmente diferentes dos que enfrentamos hoje.

Portanto, as ferramentas que a evolução deu aos nossos ancestrais para resolver seus problemas – incluindo heurística mental e emoções morais – podem ter funcionado bem em seu mundo, mas jogue essas mesmas ferramentas em nosso mundo e elas podem causar mais mal do que bem.

De muitas maneiras, partes-chave de nossa psicologia moral evoluída já passaram do prazo de validade. E é hora de recuarmos e trazermos nosso pensamento para o século 21.

A indignação como mecanismo de sobrevivência

Considere a indignação. Normalmente não pensamos na indignação como uma emoção “moral”, mas é isso que é. A indignação é um tipo especial de raiva que sentimos quando alguém faz algo errado. Isso nos enche de uma onda de energia que nos motiva a atacá-los e puni-los. É o que experimentamos quando alguém mente, rouba ou viola nossa dignidade.

(…)

O problema com a mídia social é que muitos dos ultrajes que testemunhamos estão muito distantes de nós, e temos pouco ou nenhum poder para evitá-los ou para reformar os malfeitores de alguma forma significativa. Mas isso não nos impede de tentar. Porque a indignação exige satisfação.

(…)

Quando você vê o Twitter em ação, você vê a indignação funcionando como a natureza pretendia. Exceto que não está funcionando no ambiente para o qual foi “projetado”. A indignação funcionou para nossos ancestrais que viviam em comunidades de pequena escala, onde eles conheciam o malfeitor pessoalmente e podiam se unir a aliados para trazê-los de volta à linha.

No mundo moderno, quando estamos separados por telas e só conseguimos nos comunicar em pequenos trechos de texto, a indignação pode falhar. Torna-se uma relíquia de um tempo diferente que está fora de sintonia com a maneira como experimentamos o mundo hoje.”

“Evolutionary Mismatch, Emotional Homeostasis, and Emotional Addiction: A Unifying Model of Psychological Dysfunction” by John Montgomery [Evolutionary Psychological Science, 2018]

“Evolutionary Mismatch, Emotional Homeostasis, and Emotional Addiction: A Unifying Model of Psychological Dysfunction

John Montgomery

Evolutionary Psychological Science, volume 4, pp. 428–442 (2018)

Artigo Teórico
Publicado: 02 de maio de 2018

https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs40806-018-0153-9

Resumo

Este artigo propõe uma estrutura evolutiva unificadora para a compreensão da gênese de uma ampla gama de transtornos psicológicos. Os transtornos psicológicos como um todo parecem se desenvolver em frequências significativas apenas sob condições de “incompatibilidade evolutiva”, nas quais pessoas ou animais vivem em ambientes, como cidades modernas ou culturas industrializadas em geral, para os quais não são evolutivamente ou biologicamente adaptados. Ambientes evolutivamente incompatíveis parecem frequentemente causar interrupções nos estados de unidade que evoluíram para manter a homeostase. Com base em várias linhas de evidência, vou sugerir que estados emocionais dolorosos e angustiantes podem fornecer recompensas bioquímicas inconscientes no cérebro e, em condições ambientais incompatíveis, podem se tornar reforçados, criando “vícios emocionais” compulsivos e inconscientes. Esse fenômeno central pode ser a principal força motriz da grande maioria dos distúrbios psicológicos. Sugere-se que o impulso ou força desadaptativa que os vícios emocionais parecem gerar – mencionados aqui como “impulso não-homeostático” ou “impulso viciante” – de modo disfuncional, desnecessário e repetidamente tiraram as pessoas da homeostase, criando desequilíbrios sistêmicos que podem resultar em uma variedade de disfunções psicológicas.

Os drives homeostáticos e não-homeostáticos

Talvez o princípio mais fundamental na biologia moderna seja que todas as coisas vivas se esforçam para alcançar e manter estados de homeostase, ou equilíbrio, em todos os níveis (Craig 2003; Damasio 1999; Marder e Tang 2010). Na verdade, a capacidade de renovar os constituintes de uma célula viva ou coleção de células e de manter a homeostase fisiológica dentro dessas células para vários minerais, nutrientes, íons e outras biomoléculas é considerada uma capacidade fundamental para que a vida exista (Luisi 2006). Em organismos unicelulares, nutrientes e íons são mantidos em equilíbrio quase automaticamente por uma variedade de moléculas de transporte que estão incorporadas no envelope celular do organismo (Cook et al. 2014). Com a evolução de animais multicelulares mais complexos, no entanto, e particularmente com a evolução dos mamíferos, a expressão de estados emocionais específicos e as ações ou escolhas comportamentais que esses estados emocionais motivam tornaram-se um elemento central da manutenção da homeostase (Craig 2003; Panksepp e Biven 2012).

Quando os níveis de nutrientes na corrente sanguínea ou no corpo de um animal, por exemplo, caem abaixo de um limiar homeostático crítico, um desejo ou fome por comida, que pode ser visto como um verdadeiro estado emocional (Anderson e Adolphs 2014; Giuliani e Berkman 2015), é gerado no cérebro do animal (Fig. 1). Como a maioria dos estados emocionais, a fome é biologicamente projetada para motivar uma ação específica ou um conjunto de ações, que neste caso é a busca e consumo de alimentos adequados. O estado emocional de fome com efeito tira o animal da homeostase para a não-homeostase, mas esse estado não-homeostático é projetado especificamente para conduzir um comportamento – a busca e o consumo de comida – que trará o animal de volta à homeostase.

O estado emocional de repulsa, para dar outro exemplo, parece ter uma função homeostática semelhante. A repulsa parece ter evoluído como parte do “sistema psicológico imunológico”, que é biologicamente projetado para gerar evitação comportamental de patógenos potencialmente perigosos (Neuberg et al. 2011). Em humanos, o cheiro de carne podre, por exemplo, evocará uma sensação de repulsa que fará com que os olhos, narinas e boca se fechem parcialmente de forma automática e inconsciente para minimizar a exposição a parasitas potencialmente perigosos ou outros patógenos transportados pelo ar. A emoção de nojo também tende a motivar as pessoas a se afastarem com segurança da fonte de nojo, o que, mais uma vez, minimiza o risco de infecção. Todas as outras fontes comuns de uma reação de nojo físico, como a visão de feridas pustulentas, da mesma forma representam um risco de infecção por patógenos contra o qual a resposta emocional e fisiológica de nojo é projetada para fornecer proteção. Assim, a emoção de nojo novamente joga o sistema na não-homeostase com o objetivo de motivar o comportamento que é projetado para permitir um retorno à homeostase (Damásio, 1999).

Em humanos e outros animais superiores, um estado geral de homeostase parece ser expresso principalmente como um estado emocional de paz ou bem-estar, no qual não há ameaças iminentes percebidas (como uma ameaça de patógenos) e nenhuma necessidade urgente (como necessidade de comida). Estados emocionais homeostáticos, como sentimentos de paz ou bem-estar, normalmente parecem refletir estados subjacentes de homeostase fisiológica, enquanto estados emocionais não homeostáticos, como fome, nojo, ou medo, sinalizam ameaças potencialmente sérias à homeostase que devem ser abordadas de alguma forma. Assim, o aparente projeto biológico de todos os animais, incluindo humanos, é estar em homeostase sempre que possível, mas, quando a homeostase é ameaçada, desencadear estados emocionais não-homeostáticos apropriados projetados para motivar ações que tendem a permitir um retorno à homeostase (Fig. 2). Esta tendência de todo o organismo de manter estados de homeostase pode ser vista como um “impulso homeostático” global, representando uma força biológica fundamental e extremamente poderosa projetada para manter o organismo ou animal em homeostase sempre que possível (Montgomery e Ritchey 2008).”

The Economic Legacy of the Holocene By Lisi Krall [The Evolution Institute]

“O Legado Econômico do Holoceno

Por Lisi Krall 
30 de dezembro de 2021

http://evolution-institute.org/the-economic-legacy-of-the-holocene/

(…)

“Tenho muitas lembranças pungentes dessa época, mas uma é particularmente relevante aqui. Na semana antes de morrer, quando as linhas de tempo e espaço começaram a se desfazer como fazem de maneira confiável, Paul [Shepard] voltou-se para minha mãe uma noite e disse que ela não deveria ficar alarmada se quando ela acordasse ele não estivesse lá – ela o encontraria no quintal, ceifando. Na época, parecia-me um lugar estranho para ele ir, visto que ele havia dedicado a obra de sua vida a um avaliação crítica do impacto da agricultura nos humanos e na Terra, destacando tudo o que se perdeu quando os humanos começaram a domesticar plantas e animais. Achei que ele preferia retornar ao Pleistoceno, a era antes da agricultura, mas em vez disso ele adotou um ato do Holoceno, ceifa. Paul não tinha acabado de pensar na importância da agricultura. Desde então, internalizei sua inclinação no leito de morte, o impulso de entender o que aconteceu aos humanos e à Terra quando os humanos começaram o cultivo de grãos anuais e embarcaram na agricultura animal, trazendo comigo minha formação como economista.

(…)

A Revolução Agrícola é o antecedente direto do curso de colisão atual entre a economia global e a Terra, e o capitalismo é apenas uma representação institucional particular de uma mudança de sistema que esteve em movimento por 10.000 anos, muito antes da economia de mercado. No entanto, muitos críticos assumem que as crises de hoje são produto da Revolução Industrial, tecnologia avançada e capitalismo. A importância da Revolução Agrícola é obscurecida, nunca totalmente descartada, mas nunca totalmente reconhecida. Um exemplo é o trabalho de Jason W. Moore (2016), que argumenta que devemos falar de um “Capitaloceno” distinto. Moore está certo em expandir nossa visão do capitalismo para uma longue durée – não apenas nos últimos 250 anos, mas talvez começando no século 14, quando a “ecologia mundial” do capitalismo se consolidou – mas ele descarta a importância da Revolução Agrícola em sua análise. Certamente, a versão específica de dominação, exploração e expansão do capitalismo levou à extinção e à decadência ecológica, mas um contexto histórico mais amplo e uma perspectiva ecológica mais profunda são necessários para compreender o surgimento e a complexidade da ordem econômica do capitalismo.

(…)

As formigas da colônia são tão profundamente interdependentes que a autonomia individual é essencialmente inexistente e a cooperação é tão intensa que alguns membros da colônia são estéreis. Nenhuma formiga tem conhecimento da produção de fungos; que o conhecimento está embutido no coletivo e na maneira como ele funciona em torno do propósito comum. Seguindo o exemplo de Hölldobler & Wilson (2011), não parece exagero dizer que as formigas têm “civilização” e se referir à colônia como um “superorganismo” em virtude de sua inteligência e ordem. A colônia, como uma unidade de seleção natural, tem posição em termos evolutivos. Essas espécies são extremamente bem-sucedidas pelos padrões biológicos e evolutivos, pois a interação autocatalítica da produção de fungos e do crescimento populacional permite uma grande expansão no tamanho da colônia. Há também expansão por meio da migração para um novo local de nidificação e o estabelecimento de novas colônias.

(…)

Quando me dei conta dessas semelhanças na organização econômica e na dinâmica populacional em relação à agricultura, me senti compelida a identificar os processos e mecanismos que deram origem a configurações econômicas notavelmente semelhantes em espécies, de outra forma, muito diferentes. A Revolução Agrícola dos humanos não parecia ser apenas uma questão de engenhosidade, intencionalidade, razão, instituições e cultura, uma vez que os insetos agrícolas haviam alcançado o mesmo marco, a mesma configuração e o mesmo “sucesso” milhões de anos antes dos humanos.

(…)

Ao pesquisar espécies agrícolas, busquei a biologia evolutiva, algo que os cientistas sociais progressistas geralmente evitam. A compreensão da ruptura da estrutura e da dinâmica da vida econômica humana pela agricultura é iluminada pela teoria da evolução – particularmente uma estrutura evolucionária ampliada que abrange a complexidade da evolução no que se refere à formação de grupos, a evolução da cooperação e a construção de nichos (Margulis, 1970 ; Okasha, 2006; Wilson & Wilson, 2007; Pigliucci & Muller, 2010; Jablonka & Lamb, 2014; Laland et al., 2015). Essa teoria evolucionária estendida permite que as análises ultrapassem os limites estreitos dos genes e da seleção de parentesco. John Gowdy e eu argumentamos que o uso da biologia populacional e da teoria evolutiva para entender as sociedades pode ajudar a explicar a formação do coletivo econômico como uma força e unidade de seleção em evolução (Gowdy & Krall, 2013, 2014, 2016).

(…)

A dinâmica de expansão e produção excedente, a profunda interdependência material e a relação alienada com o mundo não-humano permanecem conosco na forma contemporânea de capitalismo global e suas tecnologias, ideologias e instituições concomitantes. Pior para nós e para a Terra. Dez mil anos com este sistema agrícola serviram apenas para realçar e cimentar certas tendências. Se quisermos parar o extermínio em massa do mundo não-humano e deixar possibilidades razoáveis para as futuras gerações de humanos, teremos que desmantelar este “superorganismo econômico”. Não é uma tarefa fácil, e a questão da eficácia da ação humana nessa frente obviamente é grande.””

“A stable sense of self is rooted in the lungs, heart and gut” by Alessandro Monti [Psyche]

“Um senso estável de identidade está enraizado nos pulmões, coração e intestino

Alessandro Monti
Alessandro Monti é pesquisador do Laboratório de Neurociência Social e Cognitiva da Universidade de Roma. Seu trabalho foca no papel dos sinais fisiológicos viscerais para a autoconsciência corporal. Ele mora em Roma.

6 DE DEZEMBRO DE 2021

https://psyche.co/ideas/a-stable-sense-of-self-is-rooted-in-the-lungs-heart-and-gut

(…)

Considere como, agora, você poderia estar em um lugar, com um senso de humor ou em uma situação muito diferente de 20 segundos ou 20 anos atrás, mas ainda assim sente que, em um sentido fundamental, é a mesma pessoa. Isso ocorre em parte porque, como William James colocou em The Principles of Psychology (1890), você está ciente de que “o mesmo velho corpo” está sempre com você, exalando calor e intimidade. Com exceção dos sonhos e dos estados alterados da mente, todas as experiências conscientes acarretam esse sentimento sutil, mas penetrante, de autoconsciência corporal. Mas de onde vem isso? A sensação não pode derivar meramente da aparência externa do corpo, porque você poderia gastar muito tempo e dinheiro para mudar sua aparência sem se sentir como uma pessoa diferente (não importa o quanto cabeleireiros e designers tentem convencê-lo do contrário). Em vez disso, a base corporal de seu eu estável deve brotar de uma fonte mais estável. E uma vez que o corpo é sentido não apenas de fora, mas também de dentro, seus órgãos internos podem ser uma dessas fontes.

Na verdade, uma característica notável dos órgãos viscerais é o fato de que eles passam por ciclos fisiológicos constantes e previsíveis. Batimentos cardíacos, respirações e contrações intestinais se repetem com regularidade, mantendo o corpo aquecido e alimentado – um equilíbrio fisiológico conhecido como homeostase. Além disso, cada um desses ciclos envolve nervos periféricos – especialmente o nervo vago – enviando sinais químicos e elétricos ao sistema nervoso central. Como resultado, a atividade de regiões específicas do sistema nervoso central sincroniza-se com as flutuações cardíacas, respiratórias e gástricas. Embora as impressões sensoriais provenientes do ambiente externo variem de momento a momento e desapareçam, esse acoplamento entre o cérebro e as vísceras é uma característica permanente de sua fisiologia. Você pode fechar os olhos, tapar os ouvidos, tapar o nariz ou selar a boca, mas não pode se isolar das entranhas. Tudo muda ao seu redor, mas seus órgãos internos estão sempre lá, sempre transmitindo sinais para o cérebro, sempre tocando seu baixo completo na grande música da vida. O lado interno do corpo é o único objeto sobre o qual você não pode parar de receber informações, o único objeto que você sempre sente do início ao fim de seus dias. Assim, os órgãos internos são os principais candidatos como base para construir e manter seu senso de identidade ao longo do tempo.

(…)

Os resultados são encorajadores. Quando o trato gastrointestinal estava mais ativo, conforme indicado por pressão mais alta, temperatura mais alta, aumento da secreção de ácido no estômago ou um ambiente mais básico no intestino grosso, os participantes tinham uma percepção mais nítida de seu eu corporal. Quando o trato gastrointestinal estava menos ativo, suas sensações de autoconsciência corporal eram decididamente mais confusas. Uma possível explicação é que órgãos e tecidos viscerais mais ativos desencadeiam uma resposta mais forte do vago e de outros nervos periféricos que transmitem sinais do corpo para o cérebro. Isso, por sua vez, poderia aumentar a atividade de áreas corticais alvo que codificam um “mapa” ou representação interna do corpo, aumentando a chance de que tal mapa emerja na consciência. Estudos adicionais explorando explicitamente a atividade dessas regiões corticais nos fornecerão uma imagem mais clara. No entanto, as evidências acumuladas até agora já mostram que estar ciente do próprio corpo é, literalmente, um “gut feeling”.

(…)

Havia uma lacuna tecnológica a ser preenchida, e as pílulas inteligentes forneceram uma resposta brilhante para isso. No entanto, o verdadeiro progresso científico depende da mudança dos quadros de referência, não apenas das ferramentas de investigação. Uma limitação importante da psicologia e neurociência contemporâneas é que os estudiosos substituíram o antigo dualismo cartesiano – mente versus corpo – por um novo dualismo: cérebro versus corpo. A nova dicotomia é ainda mais crua do que a anterior, e certamente não menos rígida. Os experimentadores recusaram-se a tomar nota do que quer que acontecesse ao sul do pescoço porque a imagem científica do dia rejeitou o que as eras anteriores haviam observado cuidadosamente – a sabedoria do coração, o poder de respirar e a inteligência do intestino. Agora, graças a uma onda de novas descobertas de pesquisa, com mais por vir, sabemos que essas intuições podem ser totalmente reconciliadas com uma visão científica do self. Sua consciência realmente tem raízes profundas e ricas em seus sentimentos corporais. É hora de recuperar a profundidade total do seu ‘eu’, para deixá-lo florescer por toda a parte.” [Google Tradutor]

“What if Everything You Learned About Human History Is Wrong?” [ On David Graeber & David Wengrow – The Dawn of Everything: A New History of Humanity, 2021]

“E se tudo o que você aprendeu sobre a história humana estiver errado?

Em The Dawn of Everything, o antropólogo David Graeber e o arqueólogo David Wengrow pretendem reescrever a história de nosso passado compartilhado – e futuro.

Por Jennifer Schuessler

31 de outubro de 2021

https: // www.nytimes.com/2021/10/31/arts/dawn-of-everything-graeber-wengrow.html

Os best-sellers de Big History de Harari, Diamond e outros têm suas diferenças. Mas eles se baseiam, argumentam Graeber e Wengrow, em uma narrativa semelhante de progresso linear (ou, dependendo do seu ponto de vista, declínio).

De acordo com essa história, nos primeiros 300.000 anos ou mais após o aparecimento do Homo sapiens, praticamente nada aconteceu. Em todos os lugares, as pessoas viviam em pequenos grupos igualitários de caçadores-coletores, até a repentina invenção da agricultura por volta de 9.000 a.C. deu origem a sociedades e estados sedentários baseados na desigualdade, hierarquia e burocracia.

Mas tudo isso, Graeber e Wengrow argumentam, está errado. Recentes descobertas arqueológicas, eles escrevem, mostram que os primeiros humanos, longe de serem autômatos movendo-se cegamente em uma etapa de bloqueio evolucionária em resposta a pressões materiais, conscientemente experimentaram com “um desfile de carnaval de formas políticas”.

(…)

“Somos todos projetos de autocriação coletiva”, escrevem eles. “E se, em vez de contar a história de como nossa sociedade caiu de algum estado idílico de igualdade, perguntarmos como viemos ficar presos em grilhões conceituais tão rígidos que não podemos mais imaginar a possibilidade de nos reinventarmos?”

(…)

The Dawn of Everything inclui discussões sobre sepultamentos principescos na Europa durante a idade do gelo, contrastes de atitudes em relação à escravidão entre as sociedades indígenas do norte da Califórnia e do noroeste do Pacífico, as implicações políticas da terra seca versus a agricultura no leito dos rios e a complexidade da pré-agricultura de assentamentos no Japão, entre muitos, muitos outros assuntos.

Mas a gama impressionante de referências levanta uma questão: quem está qualificado para julgar se isso é verdade?

(…)

James C. Scott, um eminente cientista político de Yale, cujo livro de 2017 Against the Grain: A Deep History of the Earliest States também variou vários campos para desafiar a narrativa padrão, disse que alguns dos argumentos de Graeber e Wengrow, como os seus, iriam inevitavelmente, ser “jogados fora” quando outros estudiosos se envolverem com eles.

Mas ele disse que os dois homens deram um “golpe fatal” à ideia já enfraquecida de que se estabelecer em estados agrícolas era o que os humanos “estavam esperando para fazer o tempo todo”.

Mas a parte mais impressionante de The Dawn of Everything, disse Scott, é um capítulo inicial sobre o que os autores chamam de “crítica indígena”. O Iluminismo europeu, eles argumentam, em vez de ser um presente de sabedoria concedido ao resto do mundo, surgiu de um diálogo com os povos indígenas do Novo Mundo, cujas avaliações incisivas das deficiências da sociedade europeia influenciaram as ideias emergentes de liberdade.” [Google Tradutor]

***

“What if Everything You Learned About Human History Is Wrong?

In “The Dawn of Everything,” the anthropologist David Graeber and the archaeologist David Wengrow aim to rewrite the story of our shared past — and future.

By Jennifer Schuessler

Oct. 31, 2021

https://www.nytimes.com/2021/10/31/arts/dawn-of-everything-graeber-wengrow.html

The Big History best-sellers by Harari, Diamond and others have their differences. But they rest, Graeber and Wengrow argue, on a similar narrative of linear progress (or, depending on your point of view, decline).

According to this story, for the first 300,000 years or so after Homo sapiens appeared, pretty much nothing happened. People everywhere lived in small, egalitarian hunter-gatherer groups, until the sudden invention of agriculture around 9,000 B.C. gave rise to sedentary societies and states based on inequality, hierarchy and bureaucracy.

But all of this, Graeber and Wengrow argue, is wrong. Recent archaeological discoveries, they write, show that early humans, far from being automatons blindly moving in evolutionary lock step in response to material pressures, self-consciously experimented with “a carnival parade of political forms.”

(…)

“We are all projects of collective self-creation,” they write. “What if, instead of telling the story about how our society fell from some idyllic state of equality, we ask how we came to be trapped in such tight conceptual shackles that we can no longer even imagine the possibility of reinventing ourselves?”

(…)

“The Dawn of Everything” includes discussions of princely burials in Europe during the ice age, contrasting attitudes toward slavery among the Indigenous societies of Northern California and the Pacific Northwest, the political implications of dry-land versus riverbed farming, and the complexity of preagricultural settlements in Japan, among many, many other subjects.

But the dazzling range of references raises a question: Who is qualified to judge whether it’s true?

(…)

James C. Scott, an eminent political scientist at Yale whose 2017 book “Against the Grain: A Deep History of the Earliest States” also ranged across fields to challenge the standard narrative, said some of Graeber and Wengrow’s arguments, like his own, would inevitably be “thrown out” as other scholars engaged with them.

But he said the two men had delivered a “fatal blow” to the already-weakened idea that settling down in agricultural states was what humans “had been waiting to do all along.”

But the most striking part of “The Dawn of Everything,” Scott said, is an early chapter on what the authors call the “Indigenous critique.” The European Enlightenment, they argue, rather than being a gift of wisdom bestowed on the rest of the world, grew out of a dialogue with Indigenous people of the New World, whose trenchant assessments of the shortcomings of European society influenced emerging ideas of freedom.”

“When we think about nature vs. nurture, we’re biased” [Medical Xpress/Northeastern University]

“When we think about nature vs. nurture, we’re biased

by Eva Botkin-Kowacki, Northeastern University

SEPTEMBER 21, 2021

https://medicalxpress.com/news/2021-09-nature-nurture-biased.html

“Quando pensamos sobre natureza vs. criação, estamos enviesados

“Esses preconceitos sobre a natureza humana surgem da própria natureza humana”, explica ela [Iris Berent, professora de psicologia da Universidade Northeastern]. “Portanto, é a própria maneira como nossas mentes funcionam que nos obscurece como nossas mentes funcionam.”

Então, como nossas mentes funcionam?

Tem algo a ver com suposições que fazemos sobre o corpo e a mente, Berent escreve em um artigo publicado segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Temos a tendência de pensar em algo conectado ao corpo como algo com o qual os humanos nascem, ao passo que algo que associamos à mente é frequentemente considerado algo que é aprendido ou desenvolvido posteriormente.

(…)

O que Berent descobriu foi que, mesmo quando os indivíduos respondiam de maneira diferente uns dos outros, o raciocínio para as respostas era praticamente o mesmo. Eles conectaram as coisas que pensaram ser inatas aos humanos ao corpo físico, enquanto disseram que as coisas que foram aprendidas vieram da mente.”

“What animals think of death” by Susana Monsóis [Aeon]

“What animals think of death

Having a concept of death, far from being a uniquely human feat, is a fairly common trait in the animal kingdom

14 September 2021

https://aeon.co/essays/animals-wrestle-with-the-concept-of-death-and-mortality

Susana Monsóis an assistant professor at the Dept. of Logic, History, and Philosophy of Science of UNED (Madrid). She is the author of La Zarigüeya de Schrödinger (Shrödinger’s Possum), a book on how animals experience and understand death.”

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“O que os animais pensam da morte

Ter um conceito de morte, longe de ser um feito exclusivamente humano, é um traço bastante comum no reino animal

Susana Monsóis é professora assistente do Departamento de Lógica, História e Filosofia da Ciência da UNED (Madrid). Ela é autora de La Zarigüeya de Schrödinger (O gambá de Shrödinger), um livro sobre como os animais vivenciam e entendem a morte.

(…)

Os humanos há muito se consideram o único animal com noção de mortalidade. Nosso conceito de morte é uma daquelas características, como cultura, racionalidade, linguagem ou moralidade, que têm sido tradicionalmente tomadas como definição da espécie humana – nos separando do mundo natural e justificando nosso uso e exploração ilimitados dele. No entanto, como argumentei em outro lugar, a noção difundida de que apenas os humanos podem entender a morte origina-se de uma visão excessivamente elaborada desse conceito. O conceito humano de morte não é necessariamente o único conceito de morte.

A compreensão da morte não exige a compreensão de sua inevitabilidade ou imprevisibilidade, nem a compreensão de que a morte se aplica a todos os seres vivos ou a familiaridade com suas causas fisiológicas subjacentes. Em termos mínimos, o conceito de morte é simplesmente constituído por duas noções: não-funcionalidade e irreversibilidade. Isso significa que tudo que um animal precisa compreender para que possamos creditar a ele alguma compreensão da morte é que os indivíduos mortos não fazem o tipo de coisas que os seres vivos de sua espécie costumam fazer (ou seja, não-funcionalidade) e que este é um estado permanente (ou seja, irreversibilidade). Esse conceito mínimo de morte requer muito pouca complexidade cognitiva e provavelmente é muito difundido no reino animal.

A exibição da morte da gambá, também conhecida como tanatose, é uma excelente demonstração disso, não pelo que nos diz sobre a mente da gambá, mas pelo que nos mostra sobre a mente de seus predadores: animais como coiotes, guaxinins, cães, raposas, raptores, linces e grandes cobras. Da mesma forma que a aparência do bicho-pau nos diz algo sobre como seus predadores veem o mundo e que tipos de objetos eles evitam comer, a tanatose do gambá revela o quão comum o conceito de morte pode ser entre os animais que se alimentam dele.

(…)

Embora a imobilidade tônica tenha funções de defesa claras, quando se trata de tanatose, os biólogos não concordam sobre suas vantagens concretas e as razões pelas quais ela teria sido favorecida pela seleção natural. Por que um animal que quer evitar ser comido finge que já está morto? O problema é que a tanatose é um comportamento incomumente complexo e deve ser distinguido da simples imobilidade tônica, uma vez que é muito dispendioso. Ou seja, deve haver uma boa razão evolutiva para os animais desenvolverem tanatose acima e além da imobilidade tônica. Existem várias hipóteses, mas todas postulam a tanatose como um mecanismo anti-reconhecimento ou anti-subjugação. Para nossos propósitos, independentemente de qual hipótese seja verdadeira, tudo que precisamos é postular um conceito de morte nos predadores enganados, a fim de explicar com sucesso o surgimento evolutivo da tanatose.

(…)

Se a tanatose visa apenas explorar o nojo do predador, então é difícil explicar por que é tão complexa. O gambá pode gerar nojo simplesmente pelo líquido fedorento que libera de suas glândulas anais. Por que a necessidade, então, de ficar quieto, reduzir suas funções vitais, exibir uma língua azulada e assim por diante? A tanatose do gambá não é para gerar nojo, mas para gerar a aparência de morto.

(…)

Nós, humanos, gostamos de pensar que somos uma espécie única. No entanto, aos poucos, todos os traços que temos usado para fundamentar essa singularidade foram caindo, à medida que a ciência avança e revela a impressionante diversidade e complexidade das mentes e comportamentos animais. Agora temos evidências sólidas de cultura, moralidade e racionalidade em animais, e evidências sugestivas de formas rudimentares de comunicação linguística. O conceito de morte também deve ser contado entre aquelas características às quais não podemos mais recorrer para nos convencer de quão especiais somos. É hora de repensar o excepcionalismo humano e o desrespeito pelo mundo natural que vem com ele.” [Google Tradutor, com algumas modificações]

“A neurocognitive model of ideological thinking” – Leor Zmigrod [Politics and the Life Sciences]

“A neurocognitive model of ideological thinking” – Leor Zmigrod

Politics and the Life Sciences

Published online by Cambridge University Press: 02 August 2021

Leor Zmigrod

https://www.cambridge.org/core/journals/politics-and-the-life-sciences/article/neurocognitive-model-of-ideological-thinking/38CBDADC3414FA5783AE2730FAF36ACD

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Leor Zmigrod – Um modelo neurocognitivo de pensamento ideológico

Publicado online pela Cambridge University Press: 02 de agosto de 2021

Leor Zmigrod

Resumo

O comportamento ideológico tem sido tradicionalmente visto como um produto de forças sociais. No entanto, uma ciência emergente sugere que as visões de mundo ideológicas também podem ser entendidas em termos de princípios neurais e cognitivos. O artigo propõe um modelo neurocognitivo de pensamento ideológico, argumentando que as visões de mundo ideológicas podem ser manifestações dos sistemas perceptuais e cognitivos dos indivíduos. Este modelo faz duas afirmações. Em primeiro lugar, existem antecedentes neurocognitivos para o pensamento ideológico: as disposições neurocognitivas de baixo nível do cérebro influenciam sua receptividade às doutrinas ideológicas. Em segundo lugar, existem consequências neurocognitivas para o engajamento ideológico: forte exposição e adesão a doutrinas ideológicas podem moldar sistemas perceptuais e cognitivos. Este artigo detalha o modelo neurocognitivo do pensamento ideológico e sintetiza as evidências empíricas que sustentam suas afirmações. O modelo postula que existem processos bidirecionais entre o cérebro e o ambiente ideológico e, portanto, pode abordar os papéis dos fatores situacionais e motivacionais na ação motivada ideologicamente. Este esforço destaca que uma abordagem neurocognitiva interdisciplinar para ideologias pode facilitar relatos biologicamente informados do cérebro ideológico e, assim, revelar quem é mais suscetível a ideologias extremistas e autoritárias. Ao investigar as relações entre os processos perceptivos de baixo nível e as atitudes ideológicas de alto nível, podemos desenvolver uma compreensão melhor de nossa história coletiva, bem como dos mecanismos que podem estruturar nosso futuro político.

(…)

… é pertinente usar as ferramentas da ciência moderna para perguntar: Existe uma relação entre as visões de mundo ideológicas e os mecanismos fundamentais de pensamento e raciocínio? E, em caso afirmativo, quão profundamente o efeito das ideologias penetra em nossos processos cognitivos?

A proposta detalhada aqui argumenta que há uma relação subjacente entre ideologias de alto nível e percepção e cognição de baixo nível que pode ser mais profunda e complexa do que Arendt imaginou. A proposta postula que as ideologias privadas dos indivíduos são manifestações de suas tendências perceptivas e cognitivas, influenciadas por experiências crônicas e temporárias. Além disso, sugere que o forte envolvimento com ideologias vigorosas pode, subsequentemente, moldar o funcionamento perceptivo e cognitivo. É importante ressaltar que a percepção e a cognição aqui são operacionalizadas em termos da literatura neuropsicológica – isto é, em termos da maneira como os cérebros processam e avaliam os estímulos. É, portanto, uma estrutura fundamentalmente neurocognitiva de ideologias, explorando como nossa compreensão do cérebro pode iluminar questões como: como as ideologias são internalizadas pelas mentes dos adeptos? Que fatores aumentam ou diminuem a suscetibilidade de um indivíduo ao pensamento ideológico? O forte envolvimento com uma ideologia molda o funcionamento cognitivo e neural do indivíduo?

(…)

O modelo neurocognitivo faz duas afirmações essenciais. Primeiro, ele argumenta que existem antecedentes neurocognitivos para o pensamento ideológico: as disposições neurocognitivas do cérebro moldam sua receptividade às doutrinas ideológicas. Em segundo lugar, pode haver consequências neurocognitivas para o engajamento ideológico: a exposição e a adesão a doutrinas ideológicas podem moldar os sistemas perceptuais e cognitivos.

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Isso estende as afirmações feitas por filósofos políticos como Arendt a um novo território: as ideologias podem ter um impacto profundo nas mentes dos adeptos ao moldar seu funcionamento neural e cognitivo.

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Em contraste com os relatos situacionais e motivacionais, o modelo neurocognitivo argumenta que as visões de mundo ideológicas refletem tendências cognitivas e perceptivas e, por sua vez, as ideologias podem influenciar os processos neurocognitivos de baixo nível (Figura 2C). Portanto, considera o pensamento ideológico como negociado neurocognitivamente, ao invés do produto de situações autoritárias ou necessidades psicológicas. No entanto, o modelo neurocognitivo ainda abre espaço para o efeito de situações e motivações. Situações que provocam estresse ou forte pressão social podem amplificar processos neurocognitivos (por exemplo, Lupien et al., 2007; Schoofs et al., 2008) que orientam os indivíduos – em diferentes graus – a se comportar de maneiras ideológicas. Por exemplo, uma situação estressante pode prejudicar a flexibilidade cognitiva e a função executiva (Alexander et al., 2007; Plessow et al., 2011; Schoofs et al., 2008) e, assim, produzir um comportamento ideologicamente rígido e tornar o indivíduo receptivo à propaganda.

(…)

O modelo neurocognitivo também pode informar o trabalho sobre a herdabilidade genética de crenças ideológicas (Hatemi et al., 2013; Hatemi et al., 2014; Israel et al., 2015) postulando mecanismos específicos através dos quais variações genéticas contribuem para diferenças neurocognitivas e, portanto, atitudes ideológicas. Portanto, é capaz de postular teorias mecanicistas sobre como os processos biológicos moldam as visões de mundo ideológicas. Além disso, os modelos situacionais e motivacionais assumem efeitos unilaterais: o modelo situacional vê as situações como se impondo ao indivíduo (Figura 2A), e o modelo motivacional vê as necessidades do indivíduo como um estímulo à expressão do pensamento ideológico (Figura 2B). Em contraste, o modelo neurocognitivo postula explicitamente que há processos bidirecionais entre o ambiente ideológico e o cérebro (Figura 2C).

(…)

Suporte empírico para o modelo neurocognitivo

As evidências dos antecedentes neurocognitivos e das consequências das ideologias podem ser encontradas nos campos florescentes da neurociência política e da psicologia social experimental. Um trabalho recente revelou que os processos de tomada de decisão cognitivos e perceptivos ideologicamente neutros estão relacionados a convicções e crenças ideológicas de nível superior (Rollwage et al., 2018; Rollwage et al., 2019; Zmigrod et al., 2018; Zmigrod, Rentfrow, & Robbins 2019; Zmigrod, Rentfrow, Zmigrod, & Robbins 2019; Zmigrod, Zmigrod, Rentfrow, & Robbins 2019; Zmigrod, 2020b). Três traços cognitivos que recentemente mostraram conferir suscetibilidade ao pensamento ideológico são particularmente notáveis: (1) inflexibilidade cognitiva, (2) consciência metacognitiva prejudicada e (3) processamento de acumulação de evidência perceptual mais lento.

(…)

A rigidez com que os indivíduos percebem e processam os estímulos geralmente estava ligada à rigidez de suas crenças ideológicas. Consequentemente, essas descobertas demonstram que as disposições nas tendências implícitas de processamento de informações podem estar ligadas a visões de mundo ideológicas explícitas de alto nível.

Em segundo lugar, pesquisas cognitivas recentes ilustraram uma relação entre metacognição prejudicada – a consciência de nossos processos cognitivos – e dogmatismo ideológico tanto na esquerda quanto na direita (Rollwage et al., 2018). Aqui, também, os pesquisadores empregaram paradigmas neuropsicológicos e modelos computacionais para revelar diferenças entre indivíduos que eram ideologicamente moderados versus extremos. Indivíduos que eram ideologicamente extremos foram caracterizados por metacognição prejudicada, sugerindo que a capacidade dos indivíduos de estar cientes e regular seu funcionamento cognitivo pode conferir suscetibilidade a ideologias internalizantes. Há um suporte empírico crescente para a ideia de que a resistência às evidências na esfera sociopolítica pode, portanto, emergir de um comprometimento neurocognitivo em processos metacognitivos (Fischer et al., 2019; Heyes et al., 2020; Kleitman et al., 2019; Morris et al., 2019; Morris et al., 2019; al., 2019; Rollwage et al., 2019; Sinclair et al., 2019).

(…)

De fato, pesquisas da ciência cognitiva da religião (Barrett, 2000; Bering, 2006; Norenzayan & Shariff, 2008; Sosis & Alcorta, 2003) ilustraram as consequências neurocognitivas do engajamento ideológico. A religião é um candidato ideológico útil devido à intensidade de seus rituais e à variabilidade nas práticas religiosas. Esta linha de trabalho demonstrou que a adesão repetitiva às práticas religiosas parece moldar a percepção visual, a neurofisiologia e as políticas cognitivas de metacontrole. Por exemplo, a percepção visual hierárquica de ateus mostrou ser diferente da dos neocalvinistas (Colzato et al., 2008; Colzato, van Beest, et al., 2010), católicos romanos italianos (Colzato, van Beest, 2010) , Judeus ortodoxos (Colzato, van Beest, 2010a) e budistas zen taiwaneses (Colzato, Hommel, et al, 2010).

(…)

Além disso, os neurocientistas postularam que a religião pode servir como um antídoto neural para a ansiedade e a incerteza (Inzlicht et al., 2011). Correspondentemente, foi demonstrado que invocar conceitos religiosos pode alterar o monitoramento neurofisiológico de erros de participantes religiosos. Especificamente, entre os crentes religiosos, contemplar pensamentos religiosos (como o amor de Deus) pode diminuir a negatividade relacionada ao erro, um sinal neural que emerge do córtex cingulado anterior que está implicado no monitoramento do desempenho e na resposta afetiva aos erros (Good et al., 2015) Além disso, maior zelo religioso – uma forma fanática de crença – foi associado a menor negatividade relacionada ao erro ao completar uma tarefa de Stroop perceptual (Inzlicht et al., 2009), corroborando a ideia de que a religião pode atuar como um paliativo para reduzir a ansiedade por causa de suas propriedades epistêmicas gerais e de criação de significado (Inzlicht et al., 2011). É importante qualificar esses resultados e abordar a bidirecionalidade potencial desses efeitos; a exposição religiosa pode moldar a neurocognição dos indivíduos e, ao mesmo tempo, as predisposições neurocognitivas podem influenciar o tipo e o nível de zelo com que os indivíduos aderem à ideologia religiosa. Consequentemente, embora a religião ofereça um valioso caso de teste para o impacto das ideologias no cérebro, os processos de auto-seleção ideológica também devem ser considerados.

(…)

Um modelo neurocognitivo de pensamentos e ações motivados ideologicamente, portanto, tem o poder de ilustrar que as posições ideológicas têm bases neurobiológicas e sintetizar a gama de pesquisas neurocientíficas e cognitivas recentes sob teorias e hipóteses testáveis (Alford et al., 2005; Batrićević & Littvay, 2017; Fowler et al., 2008; Hatemi & McDermott, 2012a, 2012b; Ksiazkiewicz & Krueger, 2017; Leong et al., 2020; Nam et al., 2017; Zmigrod & Tsakiris, 2021). O modelo é sensível às relações causais, ciente das ligações bidirecionais entre ambientes e processos mentais, e capaz de dar uma linguagem de mediação (Ksiazkiewicz et al., 2016; Oskarsson et al., 2015) e mecanismos moderadores para a pesquisa complexa sobre a genética das orientações ideológicas (por exemplo, Dawes & Weinschenk, 2020; Hatemi et al., 2014; Twito & Knafo-Noam, 2020). De que forma os genes que moldam a cognição e a percepção têm efeitos a jusante no comportamento ideológico? Os genes que codificam a reatividade ambiental tornam um indivíduo particularmente suscetível a movimentos ideológicos convincentes? Romper a hereditariedade da ideologia política – e avaliar outros aspectos da ideologia, como dogmatismo, extremismo e hostilidade interpessoal – permitirá uma biologia da ideologia mais informativa. Notavelmente, pesquisas no campo da biopolítica ilustraram que atribuir processos ideológicos à biologia pode ajudar a promover a tolerância política (Baker & Haas, 2020; no entanto, ver Suhay et al., 2017); conduzir essa ciência pode, portanto, ter repercussões positivas no mundo mais amplo.

A pesquisa de ponta na intersecção das ciências políticas e biológicas está agora nos permitindo fazer novas perguntas. Quais fatores neurobiológicos determinam a receptividade ou resistência de um indivíduo aos sistemas ideológicos? Quais são as vantagens e perigos neurocognitivos de um forte engajamento com ideologias? E quando é que a missão da ideologia importa? Essas questões socialmente pertinentes têm o poder de aumentar nossa compreensão tanto da política quanto do cérebro, e de elucidar a natureza do “cérebro ideológico”. Uma abordagem neurocognitiva das ideologias, portanto, nos permitirá explorar paradoxos atemporais, bem como as origens das questões sociais contemporâneas – abrindo caminho para uma compreensão informada e informativa dos papéis da biologia e da experiência na formação das crenças ideológicas privadas dos cidadãos.” [Google Tradutor]

“An idea with bite” – J. Arvid Ågren [Aeon]

“An idea with bite

O “gene egoísta” persiste pela mesma razão de todas as boas metáforas científicas persistirem: ele continua a ser uma ferramenta afiada para o pensamento claro

J. Arvid Ågren é Wenner-Gren Fellow na Harvard University e na Uppsala University, e autor de The Gene’s-Eye View of Evolution (2021).

https://aeon.co/essays/why-the-selfish-genes-metaphor-remains-a-powerful-thinking-tool

(…)

Nas décadas que se seguiram a essa aposta, O gene egoísta passou a desempenhar um papel único na biologia evolutiva, ao mesmo tempo influente e controverso. No cerne das divergências está a defesa do livro do que se tornou conhecido como a visão do gene da evolução. Para seus defensores, a visão do gene apresenta uma introdução incomparável à lógica da seleção natural. Para seus críticos, “genes egoístas” é uma metáfora datada que pinta uma imagem simplista da evolução, embora falhe em incorporar descobertas empíricas recentes. Para mim, é uma das ferramentas de pensamento mais poderosas da biologia. No entanto, como com todas as ferramentas, para aproveitá-lo ao máximo, você deve entender o que ela foi projetado para fazer.

(…)

A ideia surgiu dos princípios da genética populacional nas décadas de 1920 e 1930. Aqui, os cientistas disseram que você poderia descrever matematicamente a evolução por meio de mudanças na frequência de certas variantes genéticas, conhecidas como alelos, ao longo do tempo. A genética populacional foi parte integrante da síntese moderna da evolução e casou a ideia de Darwin de mudança evolutiva gradual com uma teoria funcional da herança, com base na descoberta de Gregor Mendel de que os genes eram transmitidos como entidades discretas. Sob a estrutura da genética populacional, a evolução é capturada pela descrição matemática do aumento e diminuição dos alelos em uma população ao longo do tempo.

A visão centrada no gene levou isso um passo adiante, para argumentar que os biólogos estão sempre melhor pensando sobre a evolução e a seleção natural em termos de genes, em vez de organismos. Isso ocorre porque os organismos não têm a longevidade evolutiva necessária para serem a unidade central nas explicações evolutivas. Eles são muito temporários em uma escala de tempo evolutiva, uma combinação única de genes e ambiente – aqui nesta geração, mas desaparecidos na próxima. Os genes, ao contrário, passam sua estrutura intacta de uma geração para a outra, ignorando a mutação e a recombinação. Portanto, apenas eles possuem a longevidade evolutiva necessária. Traços que você pode ver, prossegue o argumento, como a pele particular de um urso polar ou a flor de uma orquídea (conhecida como fenótipo), não são para o bem do organismo, mas dos genes. Os genes, e não o organismo, são os beneficiários finais da seleção natural.

(…)

Nessa narrativa, a evolução é o processo pelo qual genes egoístas imortais alojados em organismos transitórios lutam por representação nas gerações futuras. Indo além da poesia e tornando o ponto mais formal, Dawkins argumentou que a evolução envolve duas entidades: replicadores e veículos, desempenhando papéis complementares. Replicadores são as entidades das quais são feitas cópias e que são transmitidas fielmente de uma geração para a outra; na prática, isso geralmente significa genes. A segunda entidade, veículos, é onde os replicadores são agrupados: esta é a entidade que realmente entra em contato com o ambiente externo e interage com ele. O tipo de veículo mais comum é o organismo, como um animal ou uma planta, embora também possa ser uma célula, como no caso do câncer.

A primeira articulação clara da visão focada no gene veio com o livro Adaptation and Natural Selection: A Critique of Some Current Evolutionary Thought do biólogo norte-americano George C Williams (1966). O foco de Williams era neutralizar o mal-entendido popular de que a seleção natural agia para o bem da espécie, uma forma ingênua de seleção de grupo. Como seu livro foi amplamente voltado para o biólogo profissional, sobre quem teve uma influência profunda, a maioria de nós foi apresentada às ideias pela primeira vez na versão mais contundente de O gene egoísta e outros bestsellers de Dawkins. Os argumentos apresentados nos dois livros inspiraram um debate longo e muitas vezes belicoso, cuja lista de participantes parece um quem é quem dos pesos pesados ​​darwinianos do século 20; você encontra John Maynard Smith e W D Hamilton lutando contra Richard Lewontin e Stephen Jay Gould nas páginas da Nature, bem como na The New York Review of Books.

Os críticos e defensores do conceito do gene egoísta discordam sobre muitas coisas. Um exemplo é como definir os termos básicos. Na metáfora central – “genes egoístas” – tanto “egoísta” quanto “gene” são usados ​​de uma forma um tanto incomum. Houve aqueles leitores que parecem nunca ter passado do título, e que pensaram que Dawkins quis dizer que os genes são egoístas da mesma forma que os humanos podem ser. Não é isso. Em vez disso, “egoísta” deve ser entendido metaforicamente como significando que todos os genes agem como se estivessem tentando maximizar suas próprias chances de chegar à próxima geração. Essa competição não é entre genes diferentes dentro do mesmo organismo (embora, como veremos, forneça uma maneira poderosa de dar sentido a tais conflitos genômicos), mas sim entre diferentes variantes, alelos, do mesmo gene dentro de uma população.

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Os defensores do gene egoísta contam com uma noção mais abstrata com origens na genética populacional teórica. Embora prefiram o termo replicador, eles definem um gene como qualquer parte de um cromossomo que não é dividido por recombinação e, portanto, é transmitido intacto através das gerações. Uma consequência dessa definição é que os genes podem ter comprimento arbitrário. Por exemplo, isso significa que o grande pedaço do cromossomo Y que nunca se recombina com o X é contado como um gene. Para consternação de colegas da biologia molecular, essa é uma definição agnóstica sobre quaisquer detalhes bioquímicos da sequência do gene. Por exemplo, quando o biólogo molecular Gunther Stent revisou The Selfish Gene em 1977, ele reclamou que a definição “desnatura o conceito central significativo e bem estabelecido da genética em uma noção difusa e heuristicamente inútil”.

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Essa perspectiva é especialmente valiosa quando observamos fenômenos que parecem ter poucos benefícios para os indivíduos. Por que a abelha operária estéril daria a vida a serviço da rainha da colônia? A questão é um enigma do ponto de vista da abelha individual, mas nem tanto do ponto de vista de seus genes. Do ponto de vista de um gene, não importa se ele é transmitido através dos organismos nos quais reside ou se uma cópia idêntica é passada por meio de um parente, uma descoberta feita pela primeira vez por W D Hamilton na década de 1960. A retórica da visão do gene, como a conhecemos hoje, deve muito às tentativas de Dawkins de explicar o trabalho de Hamilton para seus alunos de graduação. Na verdade, a primeira vez que o termo “genes egoístas” aparece é nas notas que Dawkins elaborou enquanto se preparava para atuar como palestrante sobre comportamento animal quando seu orientador de PhD, o holandês vencedor do Prêmio Nobel Nikolaas Tinbergen, estava em licença sabática.

(…)

A chave para essa liberação foi a noção de fenótipos estendidos. Esses são os efeitos de um gene que ocorrem fora do corpo do organismo no qual o gene está localizado. Exemplos clássicos de fenótipos estendidos são as estruturas físicas construídas por animais, como represas de castores, ninhos de pássaros e teias de aranha. Existem também exemplos mais horríveis. Considere a situação em que os parasitas manipulam o comportamento de seu hospedeiro. Isso acontece no caso de formigas zumbis. Aqui, um parasita fúngico vive dentro de uma formiga e assume o controle de seu comportamento. A conquista envolve várias fases. Primeiro, o parasita faz a formiga se deslocar da parte da planta que fornece abrigo e segurança contra predadores, para onde os fungos podem crescer em condições mais ideais. A seguir, quando o fungo cresce o suficiente, ele atira na cabeça da formiga com seu caule. Finalmente, o fungo usa a altura do caule para espalhar seu esporo pelo mundo. Olhar para esta situação da perspectiva de um gene pode ser útil ao tentar entender o que está acontecendo. O comportamento da formiga é influenciado por genes – só que esses genes estão localizados em um organismo diferente.

(…)

Uma grande reclamação é que o conceito do gene egoísta está muito ligado às idéias do passado. Os críticos a associam com a chamada “síntese moderna”: uma integração de descobertas em botânica, sistemática, citologia, paleontologia e ecologia em uma teoria coesa da evolução, culminando na formação da Sociedade para o Estudo da Evolução há 75 anos. A associação entre a visão do gene e a síntese moderna não é imerecida – Williams e Dawkins enfatizaram repetidamente que a metáfora dos genes egoístas nada mais era do que uma expressão moderna da teoria clássica.

(…)

Durante as últimas duas décadas, houve apelos para substituir a síntese moderna pela chamada síntese evolutiva estendida. Desta vez, o foco está em coisas como construção de nicho (que os organismos não são objetos passivos, mas podem modificar seus arredores), herança não genética (que os pais passam mais do que genes para seus filhos) e viés de desenvolvimento (algumas mudanças fenotípicas são mais prováveis ​​do que outros).

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Para mim, a visão do gene ofereceu todo o drama de que preciso. De maneira mais prática, a visão focada no gene persistiu pela mesma razão que todas as boas metáforas persistem porque ajuda nosso pensamento à medida que assumimos as complexidades do mundo vivo. Isso nos ajuda a estruturar nossos pensamentos e nos leva a abordar questões que podem ser respondidas empiricamente. Na melhor das hipóteses, as metáforas têm muitas coisas em comum com os modelos matemáticos, pois ajudam a isolar e examinar certas propriedades de uma observação biológica.

(…)

Na pior das hipóteses, eles nos fazem rejeitar outras coisas. Por exemplo, a metáfora de uma “árvore da vida” é uma ótima maneira de ilustrar o grau de parentesco entre as diferentes espécies. Muita ênfase nas espécies como ramos também pode nos levar a ignorar evidências de fenômenos como a hibridização e a transferência horizontal de genes. Conceituar a história evolutiva como uma competição entre genes egoístas oferece uma maneira poderosa de trabalhar a lógica da seleção natural e dá sentido a coisas como conflitos genômicos. Mas a visão do gene alcança seu sucesso ao ignorar outras propriedades da vida. Ele felizmente sacrifica detalhes sobre a estrutura bioquímica dos genes e sua interação. Em situações em que esses detalhes são importantes para a evolução, a visão do gene se torna menos útil.

Devemos sempre nos preocupar não apenas com as perguntas que uma metáfora nos faz fazer, mas também com as perguntas que não foram feitas. Dito isso, a biologia é difícil e precisamos de toda a ajuda que pudermos obter. Quando devidamente compreendida, a visão focada no gene oferece a melhor ajuda que existe.”

“The fungal mind: on the evidence for mushroom intelligence” – Nicholas P. Money [Psyche/Aeon]

“A mente fúngica: sobre a evidência da inteligência em cogumelos

Nicholas P Money é professor de biologia e diretor do Western Program da Universidade de Miami em Oxford, Ohio. Seu livro mais recente é Nature Fast and Nature Slow: How Life Works from Fractions of a Second to Billions of Years (2021).

https://psyche.co/ideas/the-fungal-mind-on-the-evidence-for-mushroom-intelligence

(…)

“Mas, nos últimos anos, um conjunto de experimentos notáveis ​​mostrou que os fungos operam como indivíduos, se envolvem na tomada de decisões, são capazes de aprender e possuem memória de curto prazo. Essas descobertas destacam a sensibilidade espetacular de tais organismos ‘simples’, e situam a versão humana da mente dentro de um espectro de consciência que pode muito bem abranger todo o mundo natural.

Antes de explorarmos as evidências da inteligência fúngica, precisamos considerar o vocabulário escorregadio da ciência cognitiva. Consciência [Consciousness] implica estar em estados consciente [awareness], evidência que pode ser expressa na capacidade de resposta ou sensibilidade de um organismo ao seu entorno. Há uma hierarquia implícita aqui, com a consciência presente em um subconjunto menor de espécies, enquanto a sensibilidade se aplica a todos os seres vivos. Até recentemente, a maioria dos filósofos e cientistas concedia a consciência a animais de cérebro grande e excluía outras formas de vida dessa homenagem. O problema com esse favoritismo, como apontou o psicólogo cognitivo Arthur Reber, é que é impossível identificar um nível limite de consciência ou capacidade de resposta que separa os animais conscientes dos inconscientes. Podemos escapar desse dilema, no entanto, uma vez que nos permitimos identificar diferentes versões de consciência em um continuum de espécies, de macacos a amebas. Isso não quer dizer que todos os organismos possuem uma vida emocional rica e são capazes de pensar, embora os fungos pareçam expressar os rudimentos biológicos dessas faculdades.

(…)

Temos a tendência de associar consciência e inteligência com a aparência de obstinação ou intencionalidade – ou seja, a tomada de decisões que resulta em um determinado resultado comportamental. Quer os humanos tenham ou não vontade própria, tomamos atitudes que parecem intencionais: ela terminou o café, enquanto a amiga deixou a xícara pela metade. Os fungos expressam versões mais simples de comportamento individualista o tempo todo. Os padrões de formação de ramos são um bom exemplo de sua natureza aparentemente idiossincrática. Cada jovem colônia de fungos assume uma forma única, porque variam o momento preciso e as posições de emergência do ramo de uma hifa. Essa variação não se deve a diferenças genéticas, uma vez que clones idênticos de um único fungo parental ainda criam colônias com formas únicas. Embora a forma geral seja altamente previsível, sua geometria detalhada geralmente é irreproduzível. Cada micélio é como um floco de neve, com uma forma que surge em um lugar e tempo no Universo.

(…)

As expressões fúngicas da consciência são certamente muito simples. Mas eles se alinham com um consenso emergente de que, embora a mente humana possa ser particular em seus refinamentos, é típica em seus mecanismos celulares. Os experimentos sobre a consciência fúngica são estimulantes para os micologistas porque abriram espaço para o estudo do comportamento dentro de um campo mais amplo de pesquisa sobre a biologia dos fungos. Aqueles que estudam o comportamento animal o fazem sem referência às interações moleculares de seus músculos; da mesma forma, os micologistas podem aprender muito sobre os fungos simplesmente prestando mais atenção ao que eles fazem. Como jogadores cruciais na ecologia do planeta, esses organismos fascinantes merecem toda a nossa atenção como parceiros genuínos na manutenção de uma biosfera funcional.” [Google Tradutor, com algumas alterações.]