Psicologia evolucionista para principiantes – Jerry Coyne

“Psicologia evolucionista para principiantes

Jerry Coyne

21 de março de 2023 • 13h15

https://whyevolutionistrue.com/2023/03/21/evolutionary-psychology-for-the-tyro/

Estou apresentando este post como um serviço público para aqueles que, espreitando certos cantos escuros e inscientes da Internet, ouviram incessantes insultos contra a psicologia evolucionista. Esses são os lugares tóxicos onde você ouve coisas como esta: “As premissas fundamentais da psicologia evolucionistas são falsas”. Junto com esse tipo de coisa, vem um mantra nascido da ignorância: “A psicologia evolucionistas simplesmente inventa explicações adaptativas post facto para todos os comportamentos humanos. É apenas um jogo.” Então, eles vão mencionar algo como meninas se vestem de rosa porque em nossos ambientes ancestrais, as mulheres colhiam frutas vermelhas.

Pessoas assim não acompanharam a psicologia evolucionista, que está atingindo a maturidade como disciplina. Claro, já houve uma psicologia evolucionista ruim e uma confiança muito fácil em just-so stories. Mas todos os aspectos da evolução foram tomados pelo adaptacionismo.

Mas, agora, Laith Al-Shawaf, Professor Associado de Psicologia na Universidade do Colorado em Colorado Springs, escreveu quatro ensaios distintos, mas relacionados, sobre por que temos de levar a psicologia evolucionistas a sério. Um dos principais pontos desses textos é mostrar que a psicologia evolucionista não está mais preocupada principalmente em inventar explicações para o comportamento humano, mas, agora, está empenhada em prever o que esperamos encontrar sobre o comportamento humano antes que essas observações sejam feitas. E, com certeza, ele cita muitos casos em que a psicologia evolucionista nos esclareceu sobre a origem de nossos comportamentos. Além disso, ela levantou novas questões que podem ser testadas – o que constitui a marca de uma ciência em progresso.

Os textos já são um recurso em si, então não vou resumir o que cada ensaio diz: vou apenas fornecer os links e alguns trechos. O objetivo é dar a você munição suficiente para combater aqueles que consideraram toda a área inútil – como se fosse um balanço de parquinho para mentes brincalhonas.

O primeiro ensaio dissipa equívocos sobre o campo; o curto segundo ensaio repete a distinção de Mayr entre explicações proximais para comportamentos (ou seja, o mecanismo que os produz, como uma onda de hormônios) versus explicações últimas/distais (a explicação evolutiva; por que esses comportamentos surgiram); o terceiro (e mais substancial dos três) dá um monte de exemplos em que a psicologia evolutiva fez previsões a priori que foram verificadas e, assim, produziram novos insights; e o último ensaio, no Psychology Today, resume alguns exemplos de comportamentos que não fazem sentido, exceto (como disse Dobzhansky) “à luz da evolução”.

Como diz Al-Shawaf, os ensaios não precisam ser lidos em ordem. Se eu escolhesse os dois mais importantes, seriam o  #1 e o #3, principalmente o  #3, que está cheio de referências a estudos.

Ensaio 1: Equívocos sobre a psicologia evolucionista: (todos os ensaios, exceto o último, estão na Areo)

“O objetivo deste ensaio não é sugerir que as abordagens evolutivas da psicologia sejam perfeitas. Eles não são, e certamente há espaço para melhorias. No entanto, os equívocos generalizados discutidos nesse ensaio impediram a aceitação do campo entre os acadêmicos e o público em geral. E dado que essas preocupações são em grande parte infundadas, a rejeição de muitas pessoas à psicologia evolucionista tem pouco a ver com seus méritos e limitações reais e, em vez disso, baseia-se em uma base de equívocos.

Talvez e mais importante, esses equívocos impedem o progresso da psicologia como um todo, porque a ciência da mente e do comportamento não pode atingir todo o seu potencial se ignorar a evolução. Simplesmente não há como escapar do fato de que nossos cérebros são um produto da evolução e que isso tem consequências importantes para o funcionamento de nossas mentes.”

Ensaio 2: Níveis proximais e últimos/distais de análise:

Este ponto refuta a citação no primeiro parágrafo:

“Por que a divisão explicativa dos fenômenos em diferentes níveis de análise se aplicaria apenas à biologia e não à psicologia? Assim como o coração e o fígado, os aspectos da mente estão sujeitos às mesmas quatro questões: como se desenvolvem ao longo da vida do organismo (ontogenia ou desenvolvimento); como funcionam no momento presente (mecanismo); como evoluíram ao longo do tempo (filogenia); e por que eles evoluíram (função).

Os cientistas, há muito tempo, sabem que não podem pular nem o nível imediato nem o último nível de análise se quiserem uma compreensão completa de nossos órgãos corporais. O mesmo vale para nossos órgãos mentais – se quisermos uma compreensão completa de, digamos, atenção, memória e emoção – precisaremos abordar esses aspectos da mente nos níveis de análise imediato e final.

Isso não implica que todos os aspectos de nossas mentes tenham uma função evoluída. Como os psicólogos evolucionistas lhe dirão, nossas mentes contêm muitos subprodutos [byproducts] (efeitos colaterais) que não têm função evoluída. Mas mesmo esses subprodutos sem função requerem o nível último de análise: eles evoluíram ao longo do tempo (portanto, requerem o nível filogenético de análise) e são subprodutos de adaptações que têm uma função biológica (portanto, exigem o nível funcional de análise). Simplesmente não há como evitar a conclusão de que o nível último de análise se aplica à mente e como ela funciona.”

Observe que Al-Shawaf admite tranquilamente que existem subprodutos na mente e no comportamento: são efeitos colaterais de características evoluídas que não foram diretamente favorecidas pela seleção natural. Os psicólogos evolucionistas não gastam mais seu tempo procurando comportamentos humanos aleatórios e inventando razões pelas quais eles poderiam ter sido favorecidos pela seleção, e depois saem por aí comemorando e dizendo “trabalho bem feito!”

Ensaio 3: Prevendo novas descobertas:

“Uma repetição comumente vista nas ciências sociais é que as hipóteses psicológicas evolutivas são “just-so stories”. Surpreendentemente, nenhuma evidência é normalmente apresentada para a alegação – a afirmação é geralmente feita tout court. O cerne da acusação de “just-so stories” é que as hipóteses evolutivas são narrativas convenientes que os pesquisadores inventam, após o fato, para concordar com as observações existentes. Isso é verdade?

As abordagens evolutivas levam a novas previsões? Há novas descobertas?

Na realidade, as evidências sugerem que as abordagens evolutivas geram um grande número de novas previsões e novas descobertas sobre a mente humana. Para fundamentar essa afirmação, as descobertas nesse ensaio foram previstas a priori pelo raciocínio evolutivo – em outras palavras, as previsões foram feitas antes dos estudos. Elas, portanto, não podem ser histórias post-hoc inventadas para se encaixar em dados já existentes.”

Existem toneladas de descobertas. Aqui, apenas uma amostra para um dos vários comportamentos ou emoções:

Nojo

Não se trata apenas da raiva, é claro – as teorias evolutivas oferecem poder preditivo semelhante em outras áreas da psicologia.

Considere as seguintes previsões evolutivas sobre o nojo, todas feitas a priori: 1) o nojo das pessoas será mais fortemente desencadeado por objetos que apresentam maior risco de infecção, 2) as mulheres sentirão mais nojo durante o primeiro trimestre da gravidez em comparação com os segundo e terceiro trimestres, 3) as pessoas que crescem em regiões do mundo com níveis mais altos de doenças infecciosas serão menos extrovertidas, menos abertas a novas experiências e menos interessadas em relações sexuais de curto prazo do que suas contrapartes que crescem em regiões relativamente livres de patógenos, 4) diferenças interculturais na prevalência de patógenos predizem diferenças interculturais no individualismo-coletivismo, 5) aqueles com uma propensão mais forte para relações sexuais de curto prazo serão menos enojados, 6) provocar repulsa experimentalmente reduzirá o interesse em relações sexuais de curto prazo, 7) as pessoas sentirão menos repulsa por sua própria prole e pelos resíduos corporais de sua prole em comparação com a prole de outras pessoas e 8) apresentar ameaça de doença às pessoas causará uma série de mudanças psicológicas e fisiológicas que reduzem a probabilidade de infecção, incluindo a) liberação de citocinas pró-inflamatórias, b) retraimento comportamental, c) tornar-se temporariamente menos abertas a novas experiências e d) reduzir o desejo de se vincular a outras pessoas. Todas essas previsões foram geradas antes do fato com base no raciocínio evolutivo, e todas foram subsequentemente comprovadas pelos dados.

Observe que algumas dessas descobertas provavelmente poderiam ter sido previstas sem o raciocínio evolutivo. Para outras, teria sido mais difícil. E, para outras ainda, teria sido quase impossível.

O ponto crucial, porém, é que em nenhum ponto desses exemplos uma explicação evolutiva é inventada post hoc para estar de acordo com os dados existentes. Em cada caso, o raciocínio evolutivo está sendo usado para gerar uma nova hipótese – e essa hipótese é então testada, levando a novas descobertas. Em outras palavras, não estamos nos movendo a partir de observações conhecidasexplicações post-hoc convenientes – estamos nos movendo a partir do raciocínio evolutivonovas previsões a priori que são testadas, levando a → novas descobertas sobre fenômenos previamente desconhecidos.

Observe como as evidências acima entram em conflito com a alegação de “just-so stories”. O cerne da acusação de “just-so stories” é a ideia de que as hipóteses evolutivas são histórias aparentemente plausíveis que os pesquisadores inventam após o fato para concordar com observações conhecidas. Mas os exemplos neste ensaio – que são bastante padronizados – mostram que a acusação é lamentavelmente mal informada. As hipóteses evolutivas na psicologia arriscam o pescoço, fazendo previsões claras a priori que são, então, testadas e rejeitadas ou apoiadas pelas evidências.”

Ensaio 4: Explicando descobertas conhecidas, mas intrigantes:

O fato é que muitas descobertas nas ciências sociais e cognitivas realmente não fazem sentido, exceto à luz da evolução. Por exemplo, o pensamento evolutivo ajuda a explicar por que nossos sonhos incluem modalidades sensoriais específicas e por que nossos corpos são vulneráveis a doenças. Sem a teoria da evolução, seria difícil entender o Efeito Coolidge em animais machos. Preferências específicas de parceiros, como simetria facial ou vozes graves, parecem arbitrárias e inexplicáveis. A evolução produz insights sobre tópicos de psicologia e comportamento tão abrangentes quanto o conflito materno-fetal no útero, o conflito entre filhos e pais sobre as decisões de relações sexuais dos filhos, por que as diferenças de personalidade são hereditárias, por que a psicopatia não foi eliminada das populações humanas, por que ansiamos por alimentos que nos fazem mal, por que suprimir a febre pode ser prejudicial, por que condenar alguém ao ostracismo é uma das coisas mais agonizantes que você pode fazer a ela, por que casamentos taiwaneses de homens mais velhos com mulheres bem mais jovens, por questões financeiras, são atormentados por dificuldades sexuais e amorosas, por que homens têm picos de agressividade durante a adolescência e o início da idade adulta, por que os humanos têm um “viés auditivo iminente” que se aplica a tons harmônicos, mas não a ruídos de amplo espectro, por que a fala indireta tem as características que tem, por que os transtornos mentais têm as características que têm, por que a psicologia de coalizão funciona da maneira que funciona e por que objetos não infecciosos às vezes provocam repulsa.

De modo decisivo, a alegação de que a evolução ajuda a explicar esses fenômenos não implica que eles sejam todos adaptações. Muitas das explicações listadas acima são distintamente não adaptativas por natureza.

De modo igualmente importante, por favor, não caia na armadilha comum de pensar que o raciocínio evolutivo só pode ser usado para explicar fatos conhecidos, mas não prever novos. Existem centenas de exemplos de novas previsões (e descobertas) geradas por abordagens evolutivas da mente. Algumas dezenas são descritas aqui.”

Então aí está sua cartilha de psicologia evolucionista. Os artigos são curtos; eu recomendaria ler um por um na hora de dormir todas as noites. Eles servirão como sua inoculação pasteuriana contra a mordida de cães raivosos que não sabem nada sobre a moderna psicologia evolucionista, mas se opõem a ela por motivos ideológicos. E esses fundamentos certamente devem envolver a ideia “progressista” de que os humanos são infinitamente maleáveis em comportamento. Infelizmente, como revelou o experimento comunista, isso não é verdade.”

“Desajuste Evolutivo” – Glenn Geher (Evolutionary Psychology 101)

“Desajuste Evolutivo [Evolutionay Mismatch]

Ao estudar o apego entre bebês e seus pais, John Bowlby (1969) adotou uma perspectiva evolutiva. Em seu tratado clássico na área, Bowlby cunhou o termo ambiente de adaptabilidade evolutiva [environment of evolutionary adaptedness] (AAE). Este conceito refere-se às condições ambientais que tipificaram os ancestrais de uma espécie, com a ideia de que os organismos não evoluíram as características que possuem para corresponder aos seus ambientes atuais. Todos os organismos são produtos de milhares de gerações de seleção anteriores à sua existência. No entanto, a evolução não tem bola de cristal. Portanto, o melhor que os processos de seleção podem fazer é fornecer a um organismo adaptações que foram úteis para seus ancestrais sob quaisquer que fossem as condições ecológicas da época – essencialmente, fazendo uma “suposição” baseada em probabilística de que o ambiente será o mesmo. É claro que os ambientes mudam, mas sem saber se, como e quando essa mudança ocorrerá, preparar organismos para ambientes ancestrais é essencialmente a melhor aposta.

Normalmente, isso funciona bem, mas, às vezes, os contextos mudam em um curto período de tempo e os organismos se encontram em situações para as quais não estão realmente preparados evolutivamente. Um exemplo famoso disso é o das tartarugas marinhas da Flórida. Por milhões de anos, as tartarugas marinhas vinham para as praias da Flórida para desovar e seus filhotes iam em direção ao mar – para viver uma vida longe dali – e retornar à Flórida anos depois (assim como os nova-iorquinos!). Acontece que a maneira pela qual as tartarugas jovens sabiam se dirigir na direção do oceano era baseada na luz que brilhava no mar à noite. O mar reflete lindamente a luz da lua e das estrelas e, por milhões de anos, um algoritmo simples de “dirigir-se à luz à noite” permitiu que as tartarugas se dirigissem efetivamente ao mar para buscar uma estratégia de vida eficaz. Bem, então veio Miami. Não a construída pelo Once-ler, mas é a mesma ideia. Miami e as outras grandes cidades da costa da Flórida ficam repletas de luzes brilhantes à noite, o que levou a uma catástrofe ecológica para as tartarugas marinhas (ver Schlaepfer, Runge e Sherman, 2002). Moldados pela evolução para irem em direção à luz à noite, os filhotes partiram para as rodovias e cidades aos milhões – encontrando a morte prematura em vez de uma longa vida no mar. Esta é uma questão ainda hoje, abordada por várias sociedades de conservação.

Este é um caso de desajuste entre as condições atuais existentes e o AAE das tartarugas marinhas. Os organismos evoluem para corresponder às qualidades do AAE e, quando as condições modernas não correspondem ao AAE, pode haver problemas.

A psicologia evolucionista relaciona-se fortemente com questões do AAE para humanos. Antes do advento da agricultura, cerca de 10.000 anos atrás, os humanos não ficavam parados – não podiam, pois tinham que ir atrás de comida. Como tal, eles viviam em pequenos bandos nômades (com as melhores estimativas de tamanho típico sendo aproximadamente de 150 indivíduos; ver Dunbar, 1992). Além disso, esses clãs dos primeiros Homo sapiens tendiam a incluir muitas famílias, de modo que qualquer indivíduo desse clã provavelmente era parente de uma boa proporção do grupo. Foi assim por milhões de anos para nossa espécie. O advento da agricultura levou rapidamente à civilização, que então levou rapidamente a um importante problema do AAE para nossa espécie. Nas sociedades ocidentalizadas, as pessoas tendem a viver em grandes cidades. Eles podem encontrar milhares de indivíduos em um dia, sendo que 99% desses indivíduos são estranhos. O membro da família mais próximo pode estar a 500 milhas de distância, e a forma mais comum de comunicação pode ser mensagens de texto via celular. Isso é claramente um desajuste, e muito da psicologia evolucionista fala sobre esse desajuste. Nas palavras dos renomados evolucionistas Leda Cosmides e John Tooby (1997, p. 85), “nossos crânios modernos abrigam uma mente da Idade da Pedra”.

Esse desajuste leva a muitos problemas modernos da humanidade. Como exemplo, considere o fato de que o McDonald’s ser tão popular quanto é. No entanto, a comida é notoriamente ruim em termos de valor nutricional. Como surgiu essa popularidade? De uma perspectiva evolutiva, a resposta está no AAE. Sob as condições humanas ancestrais, a seca na savana africana era comum – e com a seca vem a fome. Se a fome é comum, faz sentido que você tente obter o máximo de gordura corporal possível. No entanto, alimentos com alto teor de gordura e alto teor de açúcar eram raros. Toda a carne consumida por nossos ancestrais era magra – não havia fazendas que criassem porcos gordos – pois todos os animais eram selvagens e atléticos por necessidade. Uma preferência de sabor por alimentos com alto teor de gordura e açúcar sob tais condições daria claramente uma vantagem ao indivíduo. Assim, uma preferência faria com que esse indivíduo procurasse alimentos com alto teor de gordura e açúcar, e consumir o máximo possível desses alimentos (soa familiar?!) seria uma ótima estratégia, dada a escassez geral de tais alimentos e o fato constante das secas no meio ambiente. Portanto, essas preferências de gosto seriam selecionadas, porque os indivíduos com essas preferências seriam mais capazes de sobreviver e, em última análise, reproduzir para, finalmente, passar essas preferências para macacos como nós! Nosso amor pelo McDonald’s (manifesto pelos bilhões e bilhões servidos) é o resultado desse desajuste entre as sociedades ocidentalizadas modernas e o AAE humano. Claramente, esse fato resulta em consequências importantes para a saúde e para a sociedade, como altas taxas de doenças cardíacas e diabetes tipo 2. Como você pode ver, a psicologia evolucionista fornece uma estrutura forte e poderosa para a compreensão de características tão importantes da condição humana.”

Geher, Glenn. Evolutionary Psychology 101. Springer, 2013, pp. 17-19.