O debate sobre o que é, afinal, o Belo, perdura há pelo menos 2500 anos. Porém, não é a partir desse extenso debate que a psicologia evolutiva nos entrega novos insights, é a partir do pano de fundo oferecido pela teoria da evolução, que foi apresentada por Chales Darwin em 1859.
No senso comum, ainda mais a partir dos movimentos hippies da década de 1960, instaurou-se uma visão de que a beleza é relativa, o que significa que cada indivíduo poderia classificar, ao seu bel prazer, aquilo que considera como sendo algo belo. Essa visão está um tanto quanto correta. Mas como assim, a beleza é relativa? Sim e não. Na verdade, ela não está no outro organismo, na outra pessoa, mas sim na mente do indivíduo que a enxerga. Por exemplo, por mais bonito que você ache o quadro da Mona Lisa, o seu cachorro não está nem aí para ele. Provavelmente, se o seu cachorro fosse filhote, caso você desse o quadro para ele admirar a beleza da Mona Lisa, ele o trucidaria usando-o como fonte de distração.
Indo do raso para fundo da psicologia humana, ignorando o que os hippies e o seu cachorro têm a dizer, a fim de dar conta desse conceito complexo, poderíamos dizer que a beleza é, na verdade, uma percepção de medida de sucesso reprodutivo em oferta, tal qual a recompensa por comer uma maçã ou se relacionar sexualmente com outro indivíduo. Mas o que quero dizer com isso? Imagine um mundo em que tudo que você vê reporta a pontos de aptidão (medida de sucesso reprodutivo). Em um mundo como esse, a beleza desempenharia o importante papel que é nos informar os pontos de aptidão dos potenciais parceiros sexuais. Ela não nos informa uma realidade objetiva que é bela, em vez disso, ela nos informa acerca dos pontos de aptidão dos outros organismos. “Antroprologizando” e “biologizando” a questão, nua e cruamente ela é um artifício que se desenvolveu ao longo dos milhares de anos de sobrevivência e reprodução dos nossos ancestrais porque conseguia nos orientar, com certo grau de assertividade, acerca dos pontos de aptidão dos machos e fêmeas que apareciam no ambiente.
A experiência da beleza foi tão enraizada na nossa psicologia que se tornou uma experiência inconsciente. (Tal experiência que pode ser vista funcionando a todo vapor em crianças de dois anos de idade!). As etapas funcionais da beleza foram descritas genialmente pelo psicólogo evolutivo Donald D. Hoffman: “toda vez que você encontra uma pessoa, os seus sentidos automaticamente inspecionam dezenas, talvez centenas de pistas, todas em uma fração de segundos. Essas pistas, meticulosamente selecionadas ao longo da nossa história evolutiva, te informam sobre uma coisa: potencial reprodutivo. Isso é, essa pessoa poderia ter, e criar, proles saudáveis”?
O que Hoffman quer dizer com isso é o seguinte: a beleza é o resultado de inferências inconscientes dentro daquele que a enxerga; inferências essas que foram moduladas para enxergar os pontos de aptidão de bons parceiros sexuais em potencial.
Para finalizar, “geneticizando” a questão, tudo isso se trata de replicabilidade genética. Os genes que conferiam as melhores pistas acerca dos pontos de aptidão aos seus organismos, assim como os faziam enxergar as melhores pistas nos outros, foram os que mais se replicaram. E aqui estamos nós: uma espécie que enxerga “objetivamente” a beleza, mas que, no entanto, é completamente enganada sobre a veracidade daquilo que vê. Resumindo tudo, a beleza, tal como nossas mãos e pernas, é dependente do organismo. Ela não é objetiva no sentido empregado pelo senso comum, nem relativa no sentido empregado pelos movimentos hippies da década de 1960. De fato, a sua mente e o outro organismo informam o belo, mas o belo que eles evoluíram para informar e enxergar. Ou seja, a beleza não é relativa e nem objetiva, ela é um fenômeno complexo que merece o seu devido tratamento especial.
Claro, um debate tão complexo como esse não pode ser resolvido nem por um décimo aqui no meu texto. Porém, pode ser discutido.
Referências:
Hoffman, Donald D. The case against reality: how evolution hid the truth from our eyes. Great Britain: Penguin Books, 2020.
Texto escrito por: Silva, I.
Lattes do autor: https://lattes.cnpq.br/4005176584329851