“Desajuste Evolutivo [Evolutionay Mismatch]
Ao estudar o apego entre bebês e seus pais, John Bowlby (1969) adotou uma perspectiva evolutiva. Em seu tratado clássico na área, Bowlby cunhou o termo ambiente de adaptabilidade evolutiva [environment of evolutionary adaptedness] (AAE). Este conceito refere-se às condições ambientais que tipificaram os ancestrais de uma espécie, com a ideia de que os organismos não evoluíram as características que possuem para corresponder aos seus ambientes atuais. Todos os organismos são produtos de milhares de gerações de seleção anteriores à sua existência. No entanto, a evolução não tem bola de cristal. Portanto, o melhor que os processos de seleção podem fazer é fornecer a um organismo adaptações que foram úteis para seus ancestrais sob quaisquer que fossem as condições ecológicas da época – essencialmente, fazendo uma “suposição” baseada em probabilística de que o ambiente será o mesmo. É claro que os ambientes mudam, mas sem saber se, como e quando essa mudança ocorrerá, preparar organismos para ambientes ancestrais é essencialmente a melhor aposta.
Normalmente, isso funciona bem, mas, às vezes, os contextos mudam em um curto período de tempo e os organismos se encontram em situações para as quais não estão realmente preparados evolutivamente. Um exemplo famoso disso é o das tartarugas marinhas da Flórida. Por milhões de anos, as tartarugas marinhas vinham para as praias da Flórida para desovar e seus filhotes iam em direção ao mar – para viver uma vida longe dali – e retornar à Flórida anos depois (assim como os nova-iorquinos!). Acontece que a maneira pela qual as tartarugas jovens sabiam se dirigir na direção do oceano era baseada na luz que brilhava no mar à noite. O mar reflete lindamente a luz da lua e das estrelas e, por milhões de anos, um algoritmo simples de “dirigir-se à luz à noite” permitiu que as tartarugas se dirigissem efetivamente ao mar para buscar uma estratégia de vida eficaz. Bem, então veio Miami. Não a construída pelo Once-ler, mas é a mesma ideia. Miami e as outras grandes cidades da costa da Flórida ficam repletas de luzes brilhantes à noite, o que levou a uma catástrofe ecológica para as tartarugas marinhas (ver Schlaepfer, Runge e Sherman, 2002). Moldados pela evolução para irem em direção à luz à noite, os filhotes partiram para as rodovias e cidades aos milhões – encontrando a morte prematura em vez de uma longa vida no mar. Esta é uma questão ainda hoje, abordada por várias sociedades de conservação.
Este é um caso de desajuste entre as condições atuais existentes e o AAE das tartarugas marinhas. Os organismos evoluem para corresponder às qualidades do AAE e, quando as condições modernas não correspondem ao AAE, pode haver problemas.
A psicologia evolucionista relaciona-se fortemente com questões do AAE para humanos. Antes do advento da agricultura, cerca de 10.000 anos atrás, os humanos não ficavam parados – não podiam, pois tinham que ir atrás de comida. Como tal, eles viviam em pequenos bandos nômades (com as melhores estimativas de tamanho típico sendo aproximadamente de 150 indivíduos; ver Dunbar, 1992). Além disso, esses clãs dos primeiros Homo sapiens tendiam a incluir muitas famílias, de modo que qualquer indivíduo desse clã provavelmente era parente de uma boa proporção do grupo. Foi assim por milhões de anos para nossa espécie. O advento da agricultura levou rapidamente à civilização, que então levou rapidamente a um importante problema do AAE para nossa espécie. Nas sociedades ocidentalizadas, as pessoas tendem a viver em grandes cidades. Eles podem encontrar milhares de indivíduos em um dia, sendo que 99% desses indivíduos são estranhos. O membro da família mais próximo pode estar a 500 milhas de distância, e a forma mais comum de comunicação pode ser mensagens de texto via celular. Isso é claramente um desajuste, e muito da psicologia evolucionista fala sobre esse desajuste. Nas palavras dos renomados evolucionistas Leda Cosmides e John Tooby (1997, p. 85), “nossos crânios modernos abrigam uma mente da Idade da Pedra”.
Esse desajuste leva a muitos problemas modernos da humanidade. Como exemplo, considere o fato de que o McDonald’s ser tão popular quanto é. No entanto, a comida é notoriamente ruim em termos de valor nutricional. Como surgiu essa popularidade? De uma perspectiva evolutiva, a resposta está no AAE. Sob as condições humanas ancestrais, a seca na savana africana era comum – e com a seca vem a fome. Se a fome é comum, faz sentido que você tente obter o máximo de gordura corporal possível. No entanto, alimentos com alto teor de gordura e alto teor de açúcar eram raros. Toda a carne consumida por nossos ancestrais era magra – não havia fazendas que criassem porcos gordos – pois todos os animais eram selvagens e atléticos por necessidade. Uma preferência de sabor por alimentos com alto teor de gordura e açúcar sob tais condições daria claramente uma vantagem ao indivíduo. Assim, uma preferência faria com que esse indivíduo procurasse alimentos com alto teor de gordura e açúcar, e consumir o máximo possível desses alimentos (soa familiar?!) seria uma ótima estratégia, dada a escassez geral de tais alimentos e o fato constante das secas no meio ambiente. Portanto, essas preferências de gosto seriam selecionadas, porque os indivíduos com essas preferências seriam mais capazes de sobreviver e, em última análise, reproduzir para, finalmente, passar essas preferências para macacos como nós! Nosso amor pelo McDonald’s (manifesto pelos bilhões e bilhões servidos) é o resultado desse desajuste entre as sociedades ocidentalizadas modernas e o AAE humano. Claramente, esse fato resulta em consequências importantes para a saúde e para a sociedade, como altas taxas de doenças cardíacas e diabetes tipo 2. Como você pode ver, a psicologia evolucionista fornece uma estrutura forte e poderosa para a compreensão de características tão importantes da condição humana.”
Geher, Glenn. Evolutionary Psychology 101. Springer, 2013, pp. 17-19.